Num sentido estrito, a expressão "Jovem Guarda" designou um programa da TV Record, de São Paulo SP, estreado em setembro de 1965 e findo em 1969, comandado por
Roberto Carlos,
Erasmo Carlos e
Wanderléia; mas tem sido comumente empregada para definir gênero musical também conhecido como iê-iê-iê, seja, a versão brasileira do rock internacional.
A Jovem Guarda foi, entretanto, cristalização de uma tendência bem anterior: a informação do rock’n’roll norte-americano da década de 1950 já criara no Brasil um mercado de consumidores e aficionados, permitindo que, desde 1957, os primeiros cantores e compositores brasileiros do gênero tentassem reproduzir o ritmo com letras em português ou cantando no original.
Entre os maiores expoentes desse período estavam os irmãos
Tony e
Celly Campello,
Sérgio Murilo, Ed Wilson e, em fase pouco posterior,
Ronnie Cord e os grupos
The Jordans,
The Jet Blacks e The Clevers. O trio central — Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderleia entrou em cena justamente quando começava a se acentuar a queda de popularidade dos primeiros artistas brasileiros do rock’n’roll.
Em 1961, Celly Campelo decidiu afastar-se da vida artística, enquanto as atenções se voltavam para a bossa nova e, nos meios de comunicação, sobreviviam poucos espaços: o programa
Hoje é Dia de Rock, de Jair de Taumaturgo, na Rádio Mayrink Veiga carioca; o
Clube do Rock, de Carlos Imperial, na TV-Rio, e
Crush em Hi-Fi, na TV Record, de São Paulo.
Em discos, os sucessos rareavam:
Marcianita, com Sérgio Murilo,
Diana, com Carlos Gonzaga. Roberto Carlos optou, então, por algum tempo, pela bossa nova, mas Erasmo Carlos e Wanderléia decidiram insistir, tentando divulgar um tipo de música que, nessa época, já tinha muito de bolero e samba-canção, misturado ao ritmo do rock’n’roll. No Rio de Janeiro RJ, Ed Wilson, Cleide Alves,
Renato e seus Blue Caps também esperavam sua oportunidade.
Foi o repentino sucesso de um compositor e intérprete radicado em São Paulo que abriu a brecha para o que seria a Jovem Guarda: em 1963, Ronnie Cord conseguiu bons índices de venda e popularidade com o rock
Rua Augusta (de
Hervé Cordovil), chamando a atenção do público e dos homens de
media para as figuras de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, principalmente, autores de
Parei na contramão. Em seguida,
É proibido fumar e
Festa de arromba (da mesma dupla) confirmaram a existência do mercado.
Foi dessa música — onde os dois celebram textualmente seus companheiros de vida artística e preferência musical — que surgiu a idéia de um programa de televisão, concretizado pela TV Record paulista, na época grande investidora em música popular. Inicialmente o programa deveria chamar-se
Festa de Arromba e ocuparia uma hora ociosa, a tarde de domingo, vaga desde a proibição de transmissão dos jogos de futebol. Com o nome definitivo de
Jovem Guarda, o programa foi ao ar pela primeira vez em setembro de 1965, reunindo Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléia, os cantores
Eduardo Araújo, Sérgio Murilo, Agnaldo Rayol, Reynaldo Rayol,
Martinha, Cleide Alves, Meyre Pavão,
Rosemary e os grupos The Jordans, The Jet Blacks, Renato e seus Blue Caps,
Os Incríveis e
Golden Boys.
Rapidamente, a Jovem Guarda tornou-se uma das grandes atrações da emissora, reunindo grandes plateias de adolescentes no Teatro Record, mas foi a partir de 1966, com o grande sucesso de Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Quero que vá tudo para o inferno, que o programa tomou proporções nacionais e passou a ser sinônimo de movimento ou tendência musical.
Outros artistas se juntaram ao grupo inicial:
Ronnie Von,
Vanusa, De Kalafe,
Deny e Dino,
Leno e Lílian,
Antônio Marcos,
Os Vips, Os Brasões, The Pops, entre outros. Seguindo o exemplo da Apple, promotora dos Beatles, a agência de publicidade Magaldi, Maia & Prosperi passou a coordenar industrialmente a imagem do trio central da Jovem Guarda, criando as marcas Calhambeque, Tremendão e Ternurinha para uma série de produtos que ia de bonecas a calças e blusas.
Vários compositores de outras áreas começaram então a se interessar pelos ritmos da Jovem Guarda, como Jorge Ben, que passou a freqüentar o programa, e os baianos
Gilberto Gil e
Caetano Veloso, que, aconselhados pela cantora
Maria Bethânia, incorporaram ao seu trabalho elementos do iê-iê-iê, como as guitarras que acompanhavam
Domingo no parque e
Alegria, alegria, no III FMPB, da TV Record, em 1967.
Segundo Erasmo Carlos, foi justamente a
Tropicália — movimento que Gil e Caetano fundaram nesse período — uma das principais causas do esvaziamento da Jovem Guarda. “A Tropicália — diz ele — era uma Jovem Guarda com consciência das coisas, e nos deixou num branco total”.
Mas, antes de se extinguir totalmente no início de 1969, diluída pela superexposição ao consumo, pelo cansaço e esgotamento criativo de seus participantes e pelos prejuízos que levaram Magaldi, Maia & Prosperi a desistir dos esquemas comerciais, a Jovem Guarda deixou sua contribuição, alimentando vários programas semelhantes na televisão, como a
Festa do Bolinha, de Jair de Taumaturgo, na TV-Rio carioca, e publicações especializadas, como a revista
Reis do iê-iê-iê, sucessora do que a
Revista do rock tinha sido para o rock’n’roll brasileiro na década de 1950.
Além de projetar nacionalmente alguns de seus ídolos, o movimento foi em grande parte responsável pela posterior assimilação de instrumentos eletrônicos na música brasileira de todas as tendências e pela fusão de informações estrangeiras e dados nacionais que caracterizou a produção musical na década de 1970.
No início da década seguinte, Leo Jaime, os Titãs, a Blitz e outros intérpretes e grupos roqueiros retomaram a musicalidade simples e direta da Jovem Guarda, constituindo a Nova Jovem Guarda.
Em 1995, remanescentes da Jovem Guarda se reuniram para comemorar os 30 anos do movimento, gravando uma caixa de cinco CDs para a Polygram, onde recriam os antigos sucessos, e fazendo uma serie de shows com com êxito nacional: Wanderléia, Erasmo Carlos, Ronnie Von, Bobby de Carlo, Os Vips, Os Incriveis, Martinha, Leno e Lílian, Golden Boys e outros.
Ainda em 1995, a Paradoxx lançou dois CDs com vários artistas da Jovem Guarda, mas gravados ao vivo, nos shows comemorativos; e, no ano seguinte, a revista Caras colocou no mercado uma coleção de seis CDs e fascículos, contando a historia da Jovem Guarda e com remasterizações das gravações originais.