O samba, gênero musical que data bem antes de 1916, ano da gravação de Pelo telefone, de Donga, passou a ser sinônimo de Brasil. Mas na disputa entre os dois gêneros, o samba e a marchinha, durante bom tempo, ao menos na época do carnaval, o segundo reinou soberano nos salões de baile.
Por isso, contar a história das marchinhas é, de certa forma, narrar a história do Carnaval. Por baixo do pó-de-arroz, as marchinhas faziam sucesso desde os primeiros anos do século. Espécie de embrião das escolas de samba, os cordões de foliões agitavam as ruas do Rio de Janeiro. E nas festas, eles cantavam e tocavam marchinhas.
A fórmula de sucesso era razoavelmente fácil: compasso binário, como a marcha militar, andamentos acelerados, melodias simples e de forte apelo popular, e lógico, letras irônicas, sensuais e engraçadas. As letras, aliás, agradavam demais os foliões.
Muitas delas continuam atuais. Crônicas urbanas, elas tratam normalmente de temas cotidianos. Histórias do dia-a-dia dos subúrbios cariocas. Por muitas vezes, tinham conotação política. O ambíguo, o duplo-sentido, era muito explorado. Uma forma de dar leveza a temas que não eram assim tão "leves". "Elas têm uma vertente jornalística. Por exemplo, foram feitas marchinhas para Hitler, para as duas fases do Getúlio Vargas, a do Estado Novo e a de sua volta nos braços do povo.", explica Omar Jubran, vencedor do Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte.
As marchinhas de carnaval tiveram seu auge nos anos 30, 40 e 50. Depois delas, muito foi produzido, pouco aproveitado. Algo que perdura até os nosso tempos: muita quantidade, pouca qualidade. Jubran arrisca uma explicação: "O apogeu do gênero está relacionado à popularização do disco e do rádio." Nomes como Almirante, Mário Reis, Dalva de Oliveira, Sílvio Caldas e Carmen Miranda, os grandes cantores da época, gravaram marchinhas e com elas venceram muitos carnavais.
Os principais compositores, que escreveram aclamadas músicas de festa, foram Noel Rosa, João de Barro (pseudônimo de Braguinha), Lamartine Babo e Ary Barroso.
Entre as muitas músicas, que até hoje estão no imaginário popular brasileiro, vale destacar Touradas em Madri, de João de Barro e Alberto Ribeiro, composta para a Guerra Civil Espanhola, que teve início em 1936; Chiquita Bacana, de João de Barro e Alberto Ribeiro, lançada em 1949, era uma interpretação muito particular do existencialismo, mas que não se referia propriamente às idéias de Jean-Paul Sartre.
Também seria impossível não lembrar de O teu cabelo não nega, dos Irmãos Valença e de Lamartine Babo, de 1932; Mamãe eu quero, de Jararaca e Vicente Paiva, de 1937, que levada por Carmem Miranda aos Estados Unidos chegou a ser gravada por Bing Crosby; Allah-la-ô, de Haroldo Lobo e Antônio Nássara, sucesso de 1941; e Yes, nós temos bananas, de João de Barro e Alberto Ribeiro, destaque de 1938 que trazia uma crítica bem-humorada à empáfia dos norte-americanos.
Dos anos 60 em diante as marchinhas começaram a perder espaço para os sambas-enredo. As escolas de samba, agremiações de grandes sambistas, começavam a ditar quais eram os sucessos. Alguns compositores, como Chico Buarque, se arriscaram a escrever as suas marchinhas. Caetano Veloso também se arriscou, mas flertou com outro gênero, o frevo, que anima em Pernambuco, tal qual as marchinhas no Rio de Janeiro, a festa de carnaval. Mas ficou nisso.
Nos anos 80 algumas regravações chegaram a fazer sucesso, como Balancê, de João de Barro e Alberto Ribeiro – talvez a maior dupla de compositores de marchinhas -, lançada por Gal Costa em 1980 e Sassaricando, de Luís Antônio, Jota Júnior e Oldemar Magalhães, gravada por Rita Lee para a trilha sonora da novela Ti, Ti, Ti.... Mas era muito pouco para um País que somente em 1952 produziu cerca de 400 músicas de carnaval, a maioria delas marchinhas alegres e divertidas.
As marchinhas lindas
A lua é camarada, Acorda Maria Bonita, Allah-la-ô, A praça, Aurora, Bandeira branca, Boas Festas, Cabeleira do Zezé, Cachaça, Chiquita Bacana, Cidade maravilhosa, Confete, Dama das camélias, Daqui não saio.
Enfeite de Carnaval, Estão voltando as flores, Estrela do mar, Eu, você e o luar, Hino do Carnaval Brasileiro, Jardineira, Mal-me-quer, Lancha nova, Mamãe eu quero, Marcha do gago, Marcha do remador, Maria Candelária, Máscara negra, Me dá um dinheiro aí, Meu brotinho, Mulata Bossa Nova.
Noite de São João, Nós, os carecas, Ò abre alas, O cordão dos puxa-sacos, O rancho da goiabada, O teu cabelo não nega, O trovador, Pegando fogo, Quem sabe, sabe, Recordar, Saca rolha, Sassaricando, Tem nego bebo aí, Turma do funil, Uma andorinha não faz verão, Vila Esperança.
Mais marchinhas nas páginas de João de Barro e Lamartine Babo.
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