sexta-feira, 11 de maio de 2012

Lord Alisa, do Clube dos Democráticos

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Foto da homenagem que, em maio de 1924, foi prestada a Lord Alisa, pelo Grupo da
Arrancada, filiado ao Clube dos Democráticos (Biblioteca Amadeu Amaral - FUNARTE).

Quando Vicente Alfredo Duarte Felix, depois de ter sua proposta de admissão no ‘castelo’ aprovada, — não formalmente, apenas, mas com grande júbilo — veio a ganhar o título de Lord Alisa, não botou banca de nobreza. Pelo contrário. Foi justamente em virtude dessa honraria carnavalesca que se sentiu autenticado como Democrata. E operoso, realizador, passou a trabalhar com denodo para a grandeza do clube alvinegro. Seus encargos como gerente do Correio da Manhã eram muitos e absorventes. Mesmo assim, ele conseguia meios e modos de se dedicar, por igual, à empresa jornalística e à sua agremiação. Servia, e bem, há dois anos, tal como o Arlequim de Goldoni.

Graças ao desvelo com que cuidava de suas obrigações nos dois setores — o da imprensa e o do Carnaval — Duarte Felix e Lord Alisa, nomes diversos de uma só pessoa, carreavam para um e outro louvores e admiração. Edmundo Bittencourt, e depois o filho Paulo, tinham em Felix o seu braço direito. O Clube dos Democráticos venerava-o e ao fazê-lo presidente perpétuo mostrava a gratidão de todo seu quadro social ao companheiro Lord Alisa, o ‘carapicu’ a quem se devia o apogeu da sociedade. Fez-se credor, portanto, das carinhosas homenagens que teve ao morrer. Merecia levar, dentro do esquife, como levou, junto com as bandeiras de Portugal, sua pátria, e do Brasil, no qual viveu amando-o e trabalhando, a do grêmio carnavalesco por ele engrandecido.

No princípio a tesoura

Português, de Monsa, no Alentejo, onde nasceu a 20 de fevereiro de 1869, Duarte Felix depois de já ter estado no Brasil por algum tempo, retornou à sua terra. Pouco depois, com 27 anos de idade, casado com dona Maria da Conceição, aqui estava novamente e para se fixar em definitivo. Trazia como cabedal os apetrechos de seu ofício de alfaiate: tesoura, agulha, giz e esquadro. Tendo como principal freguesia a gente de teatro e com sua vocação para o palco, conseguiu fazer-se ator e integrar alguns elencos. Um dia, porém, — como disse Luiz Palmeirim em discurso que proferiu no enterramento de Duarte Felix — “compreendeu que não devia mais pintar a cara”, e deixou a ribalta. Eugenio da Silveira, que editava o União Portuguesa, chama-o para administrar o seu jornal. Duarte Felix se desempenha bem no novo mister, mostrando aptidão para o cargo.

Sabedor de sua competência, Edmundo, que era freguês de uma barbearia na Rua do Ouvidor, ao lado do Correio da Manhã, ali conheceu Duarte Felix e o convidou para gerente de seu matutino. Ativo, trabalhador, em pouco tempo evidenciava tino administrativo. Firmara a situação econômica da empresa, que se transferiu para um grande prédio no largo da Carioca e, mais tarde, na Avenida Gomes Freire estabelecia sede própria. Tudo isso acontecendo com Felix já feito associado do Clube dos Democráticos, onde, pelo hábito de passar a mão carinhosamente no ombro das pessoas com quem falava, ganhara o clássico título de Lord Alisa e em cuja agremiação entrara por influência de Edmundo que já era sócio benemérito.

Baluarte e incansável

Logo depois de ter assumido a gerência do Correio, em 1904, Duarte Felix tornava-se Democrático. Eleito presidente, no seu feitio de realizador, começou a marcar sua atuação no ‘castelo’ (sede do clube) com grandes iniciativas. Do prédio da Rua dos Andradas, em frente ao largo do Rosário, onde a sociedade já possuía confortável salão para seus ‘maxixéticos forrobodós’, transferiu-a para a Rua do Passeio nº 62, esquina da Rua das Marrecas. Mudança que se constituiu, como seria justo, em notório acontecimento, ensejou aos consócios de Felix exaltar seus merecimentos.

No dia 11 de setembro de 1920 um gritante puff de quase página inteira do Correio da Manhã glorificava-o: “O grande Lord Alisa! — Foi ele que a idéia deu / E foi seu executor... / Desde a planta concebeu! / Foi arquiteto, feitor / Mestre d’obras, carpinteiro; / Foi tudo num tempo só! / Foi Alisa, pois, o obreiro! / Levantou paredes, pó!

Sempre numa constante de empreendimentos que alçavam os ‘carapicus’ a uma superioridade flagrante sobre os seus coirmãos ‘gatos’ e ‘baetas’, Vicente Duarte Felix jamais poderia deixar de presidi-los. Daí sob aclamações vibrantes de toda a assembléia, ser-lhe outorgada a perpetuidade no cargo, gesto que vieram a repetir em relação a Alfredo Silva (Lord Carta Branca), seu substituto no posto e exercendo-o até hoje.

Mas, embora a instalação do clube na Rua do Passeio lhe proporcionasse outro ótimo salão e conforto, o presidente Felix planejava a aquisição de casa própria. Comprou então um terreno na Avenida Gomes Freire nº 471, mas, tendo-se em conta a cordialidade reinante entre Democráticos e o Correio da Manhã, foi a este cedido e a sociedade adquiriu outro na rua do Riachuelo nº 93.

E lá está, imponente, o ‘castelo’ dos alvinegros, inaugurado festivamente no dia 30 de dezembro de 1930 por Alfredo Alves da Silva e com a presença de Adolfo Bergamini, então interventor no Distrito Federal. Duarte Felix, que havia morrido a 8 de junho de 1929, não teve o prazer de vê-lo concluído.

Morre um perpétuo, elege-se outro

Com o falecimento de Duarte Felix, perdia o veterano Clube dos Democráticos, fundado a 19 de janeiro de 1867, por General Topázio, Frei Mochila, José do Beco e outros foliões, o grande baluarte que foi o Lord Alisa. Acompanhando o seu esquife, que saiu com um numeroso cortejo da Avenida Marechal Trompowsky — e antes de baixar à sepultura passou em frente ao ‘castelo’ na Rua do Passeio, e ao Correio da Manhã, no largo da Carioca — os carnavalescos da agremiação choravam o denodado presidente. A perpetuidade que eles haviam conferido ao consócio para tê-lo sempre na liderança dos ‘carapicus’ estava finda e Pádua de Vasconcelos, secretário-geral da sociedade, externava, em sentida oração proferida no cemitério, o sentir dos alvinegros.

Havia, no entanto, nas hostes dos Democráticos, tantas vezes vitoriosos nas pugnas de Momo, um antigo companheiro da diretoria presidida pelo saudoso Lord Alisa, que viria a substituí-lo. Impregnado do mesmo amor ao clube, Lord Carta Branca, então tesoureiro, viu seu nome e seu título carnavalesco terem o sufrágio unânime de uma assembléia que, na mesma expansão de muitos anos antes, dava-lhe a presidência perpétua do ‘castelo’.

Continuou, assim, o Clube dos Democráticos a manter sua tradição e a fazer desfilar na terça-feira de Carnaval seus préstitos alegóricos. Tudo com o mesmo esplendor do tempo em que Lord Alisa deles participava, empunhando o estandarte preto e branco e agradecendo desvanecido os aplausos do povo.

(O Jornal, 7/02/65)
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Fonte: Figuras e Coisas do Carnaval Carioca / Jota Efegê: apresentação de Artur da Távola. —2. ed. — Rio de Janeiro: Funarte, 2007. 326p. :il.

Manuel Cavanelas e o Clube dos Fenianos

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Manuel Cavanelas
Hoje, os clubes carnavalescos tendo ajuda oficial (embora reconhecidamente precária) não mais recorrem aos tradicionais ‘livros de ouro’ ou ‘rateios para ajudar’, como era de praxe antigamente. E os que ainda o fazem não se empenham com grande afã, na dobadoura de outros tempos. Cuidam, isto sim, de diligenciar ativamente junto aos deputados e da gente que pode influir na majoração do ‘tutu’ governamental. Conseqüentemente são poucos os ‘beneméritos’, os que prazeirosamente ‘pagam pra festa’.

O Carnaval carioca, no entanto já teve entusiastas fervorosos, foliões bem forrados do ‘arame’ que na hora do aperto salvavam a atuação e asseguravam a presença de seu grêmio nos festejos de Momo.

Manuel Cavanelas foi um deles, O Clube dos Fenianos, onde com seu irmão Miguel (o Minó) foram figuras da primeira linha sempre integradas em suas diretorias, deve-lhe muitos dos triunfos alcançados nos renhidos desfiles das terças-feiras gordas. Seu nome era certo e assíduo no rateio para a confecção do préstito, não com determinada quantia, mas com um clássico “o que faltar”, ou seja, todo o dinheiro necessário para completar a despesa.

Um “gatarrão” alvirrubro

Tendo ingressado no Clube dos Fenianos — que foi fundado em 8 de dezembro de 1869 — poucos anos antes da proclamação da República, o espanhol Manuel Cavanelas tornou-se num dos mais aguerridos sócios dessa agremiação. Por isso, quando Mauro de Almeida numa sucinta biografia, publicada no Diário Carioca em dezembro de 1928, o classificou de “gatarrão”, e de “carnavalesco do tempo da coroa”, situou-o cronologicamente certo e deu-lhe o aumentativo merecido. Dentre todos os ‘gatos’ (apelido ainda hoje dos que fazem parte da veterana sociedade alvirrubra do Carnaval carioca) Cavanelas era reconhecidamente o mais entusiasta. Queria que o seu clube desfilasse com alegorias vistosas, com críticas ferinas. E tudo fartamente iluminado com “fogos bem vermelhos”.

Na época da preparação dos carros discutia com Fiúza Guimarães, com André Vento ou com qualquer outro cenógrafo contratado pelo clube, os croquis apresentados. Fazia sugestões, recomendava o bastante emprego de ‘brilhantinas’ para fazer efeito no desfile noturno e, segundo informe do hoje aposentado Braço Forte (Joaquim Lourenço), interessava-se em especial pelas críticas. Depois, com o préstito já em confecção na antiga cocheira da Travessa das Partilhas (que o proprietário Brito das Andorinhas cedia gratuitamente) lá era encontrado o Cavanelas, diariamente e por muitas horas. Ajudava o pessoal, dava a bronca ao sentir diminuir o ritmo do trabalho, mas ao vê-lo em atividade ‘molhava a mão’ de todos com algumas pratas para uma cervejinha.

Fidelidade ao ‘poleiro’

Quando em 1928 houve uma cisão no Clube dos Fenianos e um grupo de associados do qual fazia parte Manduca da Praia, Chaby, Patativa e alguns mais fundou o Congresso dos Fenianos, Manuel Cavanelas não o acompanhou. Seu irmão Miguel seguiu com os dissidentes, ele porém continuou fiel ao ‘poleiro’ (nome que tem a sede da agremiação). Foi então que seu grande amor ao pavilhão encarnado-e-branco e ornado com um fulgurante Sol (símbolo da sociedade) recrudesceu em toda a pujança. Além dos velhos rivais, Democráticos e Tenentes, com os quais vinham competindo havia muitas dezenas de anos era preciso vencer principalmente o novo e que saíra de suas hostes.

Longe de se intimidar, alardeando sua riqueza repetiu a máxima que empregava nos momentos decisivos: “Quando um bolso ainda não está vazio o outro já está transbordando”. E enquanto diretores faziam o orçamento, calculavam o custo das alegorias e das críticas, Manuel sem se impressionar com as dezenas de contos de réis em debate disse apenas, tranqüilamente: “vejam lá o que me toca”. Minutos após, iniciada a coleta das assinaturas, que eram seguidas da quantia subscrita, Cavanelas, acostumado a tal gesto, escrevia rapidamente o seu nome e punha o rotineiro “o que faltar”. Desta feita, quando estava em jogo a tradição feniana, o quantum seria bem maior, mas isso não o intimidava nem o levaria a modificar o lançamento realizado.

Deu um recreio e ganhou uma rua

Manuel Barreiro Cavanelas, carnavalesco, incentivador e baluarte do Clube dos Fenianos, que por muitas vezes com o seu clássico “o que faltar” concorreu para o brilhantismo dessa sociedade, não foi apenas um “gatarrão”. Além de ‘grande benemérito’ da Sociedad Española de Beneficencia, alguns anos antes de sua morte, ocorrida a 22 de agosto de 1950, fez construir na Tijuca (e ainda lá se encontra) o Recreio dos Anciãos para dar uma vida tranqüila aos velhos necessitados e sem família. Evitando a característica de asilo, tornou-o verdadeiramente um retiro sem regimento rígido, e capaz de proporcionar vida agradável da qual ele próprio passou a desfrutar como um dos internados. Longe da azáfama foliônica ali tinha como distração predileta fazer bengalas de bambu que distribuía com seus companheiros.

Mais tarde, um decreto municipal (nº 12.948), de 3 de setembro de 1955, dava o nome de Manuel Cavanelas à antiga Rua Suruí, na estação de Brás de Pina. Os subúrbios leopoldinenses que já tinham a Avenida dos Democráticos prestavam nova homenagem ao Carnaval carioca. O apego à tradição, como seria de esperar, fez restrições à substituição provocando longa carta do sr. Benjamim Iglezias Malvar a O Globo na qual em minuciosa e fiel história da vida de Cavanelas mostrava a injustiça da denominação. Não era apenas o paredro feniano, o homem que assinava solenemente “o que faltar” para assegurar a presença de seu clube nas lides de Momo o alvo da distinção.

Prestava-se também e principalmente gratidão ao filantropo simples, infenso a honrarias, repelindo sempre o tratamento de conde que o Vaticano lhe outorgara por seus atos de benemerência.

(O Jornal, 3/01/65) 

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Fonte: Figuras e Coisas do Carnaval Carioca / Jota Efegê: apresentação de Artur da Távola. —2. ed. — Rio de Janeiro: Funarte, 2007. 326p. :il.