segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Waldick Soriano

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Waldick Soriano (Eurípides Waldick Soriano), cantor / compositor, nasceu em Caetité BA em 13/5/1933. Até os 25 anos trabalhava na roça, foi peão, motorista de caminhão e garimpeiro. Em 1959 tentou a carreira artística em São Paulo SP, procurando sem êxito um lugar nas rádios Record e Piratini.

Na Rádio Nacional foi apresentado pelo diretor artístico Hélio Araújo ao diretor da Chantecler, sendo contratado para gravar Quem és tu? (de sua autoria). Começou a aparecer, marcando o estilo com uma mistura de Bienvenido Granda, Anísio Silva, Nelson Gonçalves e Vicente Celestino, vestindo-se de preto com óculos escuros, numa cópia de seu ídolo cinematográfico, Durango Kid.

Com um repertório de músicas do estilo denominado dor-de-cotovelo, gravou em 1960 pela Chantecier o LP Quem és tu?, seguindo-se em 1961 Waldick Soriano, destacando-se neste uma de suas composições preferidas: Tortura de amor.

Em 1962 gravou o LP Cantor apaixonado, destacando-se Se eu morresse amanhã (de sua autoria). No LP seguinte, O elegante Waldick Soriano, de 1964, destacavam-se A carta (Júlio Louzada e Jorge Gonçalves) e Eu vou ao casamento dela (com Chacrinha). No ano seguinte, o LP Como você mudou pra mim incluía Mundo cruel (com Teddy Vieira).

Em 1967, gravou pela Copacabana Waldick sempre Waldick, destacando-se Minha última noite (com Roberto Stanganefli), e o LP Boleros para ouvir, amar e sonhar, incluindo Meu coração está de luto (com Antoninho dos Santos). O LP Waldick, de 1968, na Continental, trazia Me deixa em paz (de sua autoria), gravando em 1970, na mesma fábrica, No coração do povo, que incluía a sua Carta de amor. Dois anos depois, saem pela RCA seus LPs Eu também sou gente e Ele também precisa de carinho, incluindo seu grande sucesso Eu não sou cachorro não.

Em 1974 gravou na RCA o LP Segue o teu caminho. Suas músicas de maior sucesso são os boleros Paixão de um homem e Eu não sou cachorro não, que o tornaram conhecido no Rio de Janeiro e em São Paulo. Sucesso constante no Norte e Nordeste do país, onde se apresenta em shows, atuou também nos filmes Paixão de um homem, dirigido por Egídio Eccio, 1972, e O poderoso garanhão, dirigido por Antônio B. Thomé, 1973.

Tem 83 discos gravados, com destaque para Waldick Soriano interpreta Bienvenido Granda, Rosas perfumadas para alguém e Waldick Soriano e seus amigos (1998, Indie Records).

CD:

Waldick Soriano, 1997, Inde Records 71332.

O pensamento de Waldick Soriano:

“A elite está carente. Ela sente a falta das músicas do tempo em que se dançava bem, da música romântica, que é imortal. Hoje, não existe mais um Altemar Dutra, um Nelson Gonçalves”.

“Meus shows sempre acabam em baile, porque o povo se lembra de quando namorado dançava com namorada, e amante com amante”.

“Não entendo por que rotulam a música romântica de brega. Essa nova geração nem sabe o que é isso! Brega é cabaré, é aquele lugar popular onde o homem vai procurar uma mulher”.

“O compositor é como o escritor: tem que ter motivo para sentar e escrever. Faço músicas, não musiquetas”.

“Tenho muitos imitadores. Todo mundo canta à la Waldick Soriano”.

“Muita gente pergunta se não vou envelhecer. O fato é que não tenho tempo para envelhecer”.

Pérolas musicais:

“Quem despreza um grande amor / Não merece ser feliz” (de Eu não sou Cachorro não).

“Tu não sabes compreender / Quem te ama, quem te adora / Tu só sabes maltratar-me / E é por isso que eu vou embora” (de Eu não sou Cachorro não).

“Apareceste afinal / Torturando este ser que te adora” (de Tortura de Amor).

“Fujo de ti porque o ciúme / É o meu fracasso / Tu me deixaste por um alguém / Que não te ama” (de Fujo de Ti).

Tortura de amor

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Tortura de amor - Waldick Soriano


G Em
Hoje que a noite está calma
Am D
E que minh’alma esperava por ti
G Em
Apareceste afinal
Am D
Torturando este ser que te adora
Bm Em Am
Volta fica comigo
D
Só mais uma noite
G Em
Quero viver junto a ti
C D
Volta meu amor
G Em
Fica comigo não me desprezes
Am
A noite é nossa
D Bm E7
E o meu amor pertence a ti
Am D
Hoje eu quero paz
G Em
Quero ternura em nossas vidas
Am D
Quero viver por toda vida
G
Pensando em ti

Eu não sou cachorro não

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Eu não sou cachorro não - Waldick Soriano


A
Eu não sou cachorro não
E7
Pra viver tão humilhado
Eu não sou cachorro não
A
Para ser tão desprezado
Tu não sabes compreender
A7 D
Quem te ama, quem te adora
A
Tu só sabes maltratar-me
E7 A
E por isso eu vou embora
E7
A pior coisa do mundo
A
É amar sendo enganado
E7
Quem despreza um grande amor
D
Não merece ser feliz
A
Nem tão pouco ser amado
Tu devias compreender
A7 D
Que por ti tenho paixão
A
Pelo nosso amor
E7
Pelo amor de Deus
Eu não sou
A 50 52 54 D
Cachorro não
A
Pelo nosso amor
E7
Pelo amor de Deus
A
Eu não sou cachorro não

Solo: A A7 D A E7 A

A E7
A pior coisa do mundo
A
É amar sendo enganado
E7
Quem despreza um grande amor
D
Não merece ser feliz
A
Nem tão pouco ser amado
Tu devias compreender
A7 D
Que por ti tenho paixão
A
Pelo nosso amor
E7
Pelo amor de Deus
Eu não sou
A 50 52 54 D
Cachorro não
A
Pelo nosso amor
E7
Pelo amor de Deus
A
Eu não sou cachorro não.

Luiz Carlos Paraná

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Luiz Carlos Paraná, compositor e cantor, nasceu em Ribeirão Claro PR (15/3/1932) e faleceu em São Paulo SP (3/1211970). Lavrador até os 19 anos e depois comerciário, aprendeu sozinho a tocar violão. Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde morou em pensão em que João Gilberto era seu companheiro de quarto.

Durante a década de 1950 tocava de mesa em mesa nas boates cariocas, recolhendo a féria. Transferindo-se para São Paulo, com a ajuda de amigos, abriu a boate Jogral, a princípio apenas um barzinho de encontro de amigos, onde ele mesmo cantava modas-de-viola e desafios com Paulo Vanzolini.

Como compositor tornou-se mais conhecido ao participar do II FMPB da TV Record, de São Paulo, em 1966, com a música De amor e paz (com Adauto Santos), que, interpretada por Elza Soares, obteve o segundo lugar. No ano seguinte, como cantor, gravou um compacto simples na Fermata, com duas músicas de Paulo Vanzolini, Capoeira do Arnaldo e Napoleão.

No mesmo ano, inscreveu Maria, carnaval e cinzas no III FMPB, que foi defendida por Roberto Carlos e gravada pelo cantor na CBS e por ele próprio na Philips, no LP III Festival de MPB. Na Continental, gravou o Samba do suicídio (Paulo Vanzolini), incluído no LP I Bienal do Samba.

Em 1968 a boate Jogral, até então na Galeria Metrópole, foi transferida para a Rua Avanhandava, onde continuou fazendo carreira na noite, iniciando em São Paulo a moda das casas de samba. Entre outras gravações suas estão, na Mocambo, Canoa vazia e Se for pra medir saudade (de sua autoria).

Realizou ainda a montagem do show musical Jogral 69 ou Os Homens verdes da noite, na sala de arte do T.B.C., de São Paulo. Sua última atividade artística de destaque foi a produção do LP Jogral 70, da RGE.

Algumas cifras e letras:

Cafezal em flor, Canoa vazia, Capoeira do Arnaldo, De amor ou paz, Maria, carnaval e cinzas, Se for pra medir saudade.

Maria, carnaval e cinzas

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Maria, carnaval e cinzas - Luiz Carlos Paraná

Tom: Am

E7/9- Am
Nasceu Maria, quando a folia
E7
Perdia a noite, ganhava o dia
Dm E7
Foi fantasia seu enxoval
Am
Nasceu Maria no carnaval
Dm G7 C
E não lhe chamaram assim como tantas
Bm5-/7
Marias de santas
E7 Em5-/7
Marias de flor
A7 Dm G7 C
Seria Maria, Maria somente
Bm5-/7 E7 Am
Maria semente de samba de amor
Dm G7 C
Não era noite não era dia
Dm G7 C
Só madrugada só fantasia
Bm5-/7 E7 Am
Só morro samba viva Maria
F#m5-/7 B7 Bm5-/7
Quem sabe a sorte lhe sorriria
E7 Dm G7 C
E um dia viria de porta-estandarte
Bm5-/7 E7 Em5-/7
Sambando com arte puxando cordões
A7 Dm G7 C
E em plena folia decerto estaria
E7 Am
Nos olhos e sonhos de mil foliões
Am
Morreu Maria, quando a folia
E7/9- E7
Na quarta-feira também morria
Bm5-/7 E7
E foi de cinzas seu enxoval
Am
Viveu apenas um carnaval
Dm G7 C
Que fosse chamada então como tantas
Bm5-/7
Marias de santas
E7 Em5-/7
Marias de flor
A7 Dm G7 C
E em vez de Maria, Maria somente
Bm5-/7 E7 Am
Maria semente de samba e de dor
Dm G7 C
Não era noite não era dia
Dm G7 C
Somente restos de fantasia
Bm5-/7 E7 Am
Somente cinzas pobre Maria
F#m5-/7 B7 Bm5-/7
Jamais a vida lhe sorriria
E7 Dm G7 C
E nunca viria de porta-estandarte
Bm5-/7 E7 Em5-/7
Sambando com arte puxando o cordão
A7 Dm G7 C
E não estaria em plena folia
E7 Am
Nos olhos e sonhos de seus foliões
Dm
E não estaria
G7 C
Em plena folia
F7 E7
Nos olhos e sonhos
Am
De seus foliões
Am7 D7/9 Am7 D7/9
Maria, Maria...

Canoa vazia

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Canoa vazia - Luiz Carlos Paraná

Rio acima, canoa subiu
Rio abaixo, canoa desceu
Rio acima subiu com seu dono
Desceu no abandono e desapareceu

Zé do Fole tocava sanfona
Seu moço, s'a dona que nem ele só
Té que um dia gamou por Maria
Chorou noite e dia que inté dava dó
Ele que era no fole um colosso
Seu moço, s'a dona, nunca mais tocou
Deu um dia um adeus à Maria
A canoa vazia, rodando voltou

Rio acima, canoa subiu
Rio abaixo, canoa desceu
Rio acima subiu com seu dono
Desceu no abandono e desapareceu

Eu também pelo rio da vida
Fui duro na lida, fui bom pescador
Mais um peixe eu tentei, foi à toa
Botar na canoa, chamava-se amor
Toda vez que eu pensei ter fisgado
Meu peixe danado, o marvado fugiu
Vivo então água abaixo hoje em dia
A canoa vazia, à vontade do rio

Rio acima, canoa subiu
Rio abaixo, canoa desceu
Rio acima subiu com seu dono
Desceu no abandono e desapareceu

De amor ou paz

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De amor ou paz - Luiz Carlos Paraná e Adauto Santos


Cm G7 Cm
Já que se tem que sofrer
C7 Fm Am
Seja dor só de amor
D7
Já que se tem de morrer
Dm5-/7 G7
Seja mais por amor
Cm D7
Quem anda atrás de amor e paz
Fm
Não anda bem
Bb7
Porque na vida o que tem paz
D#
Amor não tem
Cm Cm/Bb
Seja o que for, sou mais do amor
Dm5-/7 Fm
Com paz ou sem
Dm5-/7 G7
Sei que é demais querer-se paz
Cm
E amor também

Vou sempre amar
C7 Fm
Não vou levar a vida em vão
Bb7 D#
Não hei de ver envelhecer meu coração
G# Dm5-/7
Vou sempre ter em vez de paz inquietação
G7
Houvesse paz
Cm
Não haveria esta canção

Se for pra medir saudade

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Se for pra medir saudade - Luiz Carlos Paraná

Se for pra medir saudade, eu ganho
Pois nunca se viu saudade
Deste tamanho

Não ponha sua saudade perto da minha
Pois ela não é nenhuma saudadezinha
Nem venha você querendo
Livrar-me dela
Pois eu já não saberia
Viver sem ela
Saudade é um privilégio de quem conhece
Aquela felicidade que não se esquece
Embora já muitas vezes tenha chorado
Não sou dos que se arrependem de ter amado

Festivais da MPB - Finalistas

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Elis Regina interpretando "Arrastão" de Edu Lobo e Vinícius.

1º FESTIVAL NACIONAL DA MPB
TV Excelsior (abril, 1965).

1º - Arrastão, de Edu Lobo e Vinícius de Moraes, com Elis Regina.
2º - Valsa do Amor que Não Vem, de Baden Powell e Vinícius de Moraes, com Elisete Cardoso.
3º - Eu só Queria Ser, de Vera Brasil e Miriam Ribeiro, com Claudete Soares.
4º - Queixa, de Sidney Miller, Zé Kéti e Paulo Tiago, com Ciro Monteiro.
5º - Rio do meu amor, de Billy Blanco, com Wilson Simonal.

2º FESTIVAL NACIONAL DA MPB
TV Excelsior (junho, 1966).

1º - Porta-estandarte, de Geraldo Vandré e Fernando Lona, com Tuca e Aírto Moreira.
2º - Inaê, de Vera Brasil e Maricene Costa, com Nilson.
3º - Chora Céu, de Adilson Godoy e Luiz Roberto, com Cláudia.
4º - Cidade Vazia, de Baden Powell e Lula Freire, com Milton Nascimento.
5º - Boa Palavra, de Caetano Veloso, com Maria Odete.

1° FESTIVAL DA MPB
TV Record (novembro-dezembro, 1960)

1º - O Pescador, de Newton Mendonça.

2º FESTIVAL DA MPB
TV Record (setembro-outubro, 1966)

1º - A banda, de Chico Buarque, com Chico Buarque e Nara Leão; Disparada, de Geraldo Vandré e Théo de Barros, com Jair Rodrigues e Quarteto Novo.
2º - De amor ou paz, de Adauto Santos e Luiz Carlos Paraná, com Elza Soares.
3º - Canção para Maria, de Paulinho da Viola e Capinan, com Jair Rodrigues.
4º - Canção de Não Cantar, de Sérgio Bittencourt, com MPB-4.
5° - Ensaio Geral, de Gilberto Gil, com Elis Regina.

3º FESTIVAL DA MPB
TV Record (outubro, 1967)

1º - Ponteio, de Edu Lobo e Capinan, com Edu Lobo e Marília Medalha, Quarteto Novo e Momento Quatro.
2º - Domingo no parque, de Gilberto Gil, com Gilberto Gil e Os Mutantes.
3º - Roda viva, de Chico Buarque, com Chico Buarque e MPB-4.
4º - Alegria, alegria, de Caetano Veloso, com Caetano Veloso e Beat Boys.
5º - Maria, carnaval e cinzas, de Luiz Carlos Paraná, com Roberto Carlos.

4° FESTIVAL DA MPB
TV Record (novembro-dezembro, 1968)

1º - São São Paulo, Meu Amor, de Tom Zé, com Tom Zé.
2° - Memórias de Marta Sare, de Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri, com Edu Lobo e Marília Medalha.
3º - Divino maravilhoso, de Gilberto Gil e Caetano Veloso, com Gal Costa.
4° - Dois Mil e Um, de Rita Lee e Tom Zé.
5º - Dia da Graça, de Sérgio Ricardo, com Sérgio Ricardo e Modern Tropical Quintet.

5° FESTIVAL DA MPB
TV Record (novembro, 1969)

1º - Sinal fechado, de Paulinho da Viola, com Paulinho da Viola.
2º - Clarisse, de Eneida e João Magalhães, com Agnaldo Rayol.
3º - Comunicação, de Hélio Matheus e Edson Alencar, com Vanusa.
4º - Gostei de Ver, de Eduardo Gudin e Marco Antônio da Silva Ramos, com Márcia e Os Originais do Samba.
5º - Monjolo, de Dina Galvão Bueno e Eric Nepomuceno, com Maria Odete.

BIENAL DO SAMBA
TV Record (maio, 1968)

1º - Lapinha, de Baden Powell e Vinícius de Moraes, com Elis Regina.
2º - Bom tempo, de Chico Buarque, com Chico Buarque e MPB-4.
3º - Pressentimento, de Elton Medeiros e Hermínio Bello de Carvalho, com Elza Soares.

I FIC - FESTIVAL INTERNACIONAL DA CANÇÃO
(outubro, 1966)

1º - Saveiros, de Dori Caymmi e Nelson Mota, com Nana Caymmi.
2º - O Cavaleiro, de Tuca e Geraldo Vandré, com Tuca.
3º - Dia das Rosas, de Luiz Bonfá e Maria Helena Toledo, com Maysa.

II FIC - FESTIVAL INTERNACIONAL DA CANÇÃO
(setembro, 1967)

1º - Apareceu a Margarida, de Gutemberg Guarabira, com Gutemberg Guarabira e Grupo Manifesto.
2º - Travessia, de Milton Nascimento e Fernando Brant, com Milton Nascimento.
3º - Carolina, de Chico Buarque, com Cynara e Cybele.
4º - Fuga e Antifuga, de Edino Krieger e Vinícius de Moraes, com Conjunto 004 e As Meninas.
5º - São os do Norte que Vêm, de Capiba e Ariano Suassuna com Claudionor e Germano.

III FIC - FESTIVAL INTERNACIONAL DA CANÇÃO
(setembro, 1968)

1º - Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque, com Quarteto em Cy.
2º - Prá não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré, com Geraldo Vandré.
3º - Andança, de Edmundo Souto, Danilo Caymmi e Paulinho Tapajós, com Beth Carvalho e Golden Boys.
4º - Passacalha, de Edino Krieger, com Grupo 004.
5º - Dia da Vitória, de Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, com Marcos Valle.


IV FIC - FESTIVAL INTERNACIONAL DA CANÇÃO
(setembro, 1969)

1º - Cantiga por Luciana, de Edmundo Souto e Paulinho Tapajós, com Evinha.
2º - Juliana, de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar, com A Brazuca.
3º - Visão Geral, de César Costa Filho, Ruy Maurity e Ronald Monteiro, com César Costa Filho e Grupo 004.
4º - Razão de Paz para não Cantar, de R. Laje e Aléssio Barros com Cláudia.
5º - Minha Marisa, de Fred Falcão Medeiros, com Golden Boys.

V FIC - FESTIVAL INTERNACIONAL DA CANÇÃO
(1970)

1º - BR-3, de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar, com Tony Tornado.
2º - O amor é o meu país, de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro com Ivan Lins.
3º - Encouraçado, de Sueli Costa e Tite Lemos.
4º - Um abraço terno em você, viu mãe, de Gonzaguinha, com Luiz Gonzaga Júnior.
5° - Abolição 1860/1960, de Dom Salvador e Arnaldo Medeiros com Luiz Antônio e Maria.

VI FIC - FESTIVAL INTERNACIONAL DA CANÇÃO
(1971)

1º - Kyrie, de Paulinho Soares e Marcelo Silva, com Evinha.
2º - Karany Karanauê, de José de Assis e Diana Camargo, com Trio Ternura.
3º - Desacato, de Antônio Carlos e Jocafi, com Antônio Carlos e Jocafi.
4º - Canção pra Senhora, de Sérgio Bittencourt, com O Grupo.
5º - João Amém, de W. Oliveira e Sérgio Mateus, com Sérgio Mateus.

VII FIC - FESTIVAL INTERNACIONAL DA CANÇÃO
(1972)

1º - Fio Maravilha, de Jorge Ben, com Maria Alcina.
2º - Diálogo, de Baden Powell e Paulo César Pinheiro, com Cláudia Regina e Tobias.

FESTIVAL 79
TV Tupi (1979)

1º - Quem me levará sou eu, de Fagner e Dominguinhos, com Fagner.
2º - Canalha, de Walter Franco, com Walter Franco.
3º - Bandolins, de Oswaldo Montenegro, com Oswaldo Montenegro e José Alexandre.

FESTIVAL DOS FESTIVAIS
TV Globo (1985)

1º - Escrito nas estrelas, de Carlos Rennó e Arnaldo Black, com Tetê Espíndola.
2º- Mira Ira, de Lula Barbosa e Vanderley de Castro, com Lula Barbosa, Mina Myrá, Grupo Tarancón e Placa Luminosa.
3°- Verde, de Eduardo Codin e José Carlos Costa Nesto; com Leila Pinheiro.

FESTIVAL DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
TV Globo (2000)

1º - Tudo bem, Meu bem, de Ricardo Soares, com Ricardo Soares.
2º - Morte no Escadão, de José Carlos Guerreiro, com Tianastácia.
3º - Tempo das Águas, de Valmir Ribeiro, com Bilora.
Melhor intérprete — Ná Ozzetti, que interpretou Show, de Luiz Tatit e Fábio Tagliaferri.

1º Festival Nacional da MPB

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Elis Regina defendendo Arrastão1º Festival Nacional da MPB - TV Excelsior - 1965

"...Depois do sucesso das Noites de Bossa, das primeiras incursões na TV com o pessoal da Bossa Paulista e, na seqüência, juntando cantores e conjuntos de São Paulo e do Rio no memorável “Primavera Eduardo é Festival de Bossa Nova”, patrocinado pelas lojas de sapatos Eduardo, percebi que aquele novo elenco já estava preparado para vôos mais altos.

A música brasileira da época era dominada pelos bolerões de Anísio Silva, Altemar Dutra, sendo Nélson Gonçalves o representante do samba-canção. Começava a ser marcante a receptividade que tinham João Gilberto e a turma da bossa nova, com Vinícius e Baden lotando teatros e bares, emocionando uma nova geração de ouvintes. Estava na hora de uma incursão mais ousada, em que a televisão iria representar um papel fundamental.

As tentativas de Manoel Carlos, hoje autor de novelas de grande sucesso, de colocar um elenco de melhor qualidade no programa “Brasil 60” da TV Excelsior, apresentado por Bibi Ferreira nas noites de domingo, do qual Maneco era o produtor, havia me impressionado pela entusiástica resposta de um público classe A. Os Cariocas, Carlinhos Lyra, Dorival Caymmi, Nara Leão, Baden Powell, Elizete Cardoso, Tamba Trio, Sérgio Mendes e tantos novos artistas eram apresentados regularmente no “Brasil 60”. Um sopro de bom gosto e talento na nossa desde então pouco ousada programação.

Nessa mesma época, o mercado do disco era invadido anualmente pelos sucessos lançados no Festival de San Remo, em geral uma baboseira melosa, quase sempre com uma mesma proposta musical, que, com as honrosas exceções de um raro Sérgio Endrigo, ficava testando por meses e meses a nossa paciência. Achei que era o momento de criar um festival no Brasil. Pedi o regulamento de San Remo ao Enrique Lebendeguer, dono da editora musical Fermata, e o adaptei às nossas condições. O Festival de San Remo era, e ainda é totalmente controlado pelas editoras e gravadoras, sendo que a participação de qualquer música ou artista já vem com um vínculo determinado. Impossível para qualquer compositor independente penetrar naquele universo.

No Brasil, as gravadoras eram em geral ligadas às suas matrizes internacionais, que por sua vez direcionavam a política e a filosofia do que deveria ser gravado e tocado nas rádios. Na minha avaliação, eu não conseguiria fazer um trabalho isento se dependesse da indústria do disco, embora soubesse que, no caso de sucesso do festival, ela seria sua maior beneficiada, e afinal esse sucesso, mais para frente, dependeria do interesse dessa mesma indústria pelos artistas e músicas que eu iria lançar.

Resolvi que, para a minha independência e lisura do festival, não permitiria a participação de qualquer editora ou gravadora. Para que isso não parecesse demagógico, jamais admiti qualquer vínculo com alguma delas, a não ser para facilitar sua aproximação quando o artista que participava do festival manifestava ser do seu interesse. Minha estratégia era colocar no mercado uma porção de músicas, cantores, cantoras e conjuntos musicais, e as gravadoras que se servissem, de acordo com a sua agilidade e competência.

A Philips foi que primeiro e melhor soube capitalizar os sucessos dos festivais. André Midani, que já havia tido a importância de convencer a gravadora Odeon a lançar Chega de Saudade, o primeiro LP de João Gilberto, percebendo ser um ótimo caminho para a formação de seu elenco e o potencial promocional que aquele evento oferecia, escalou um jovem produtor paulista, Manoel Barembeim, para produzir os discos dos festivais.

A preparação do festival da Excelsior transcorria cheia de tensões. Ainda não haviamos conseguido patrocínio. As músicas inscritas eram ouvidas com atenção por um júri que não permitia interferências. Na casa do compositor Caetano Zama se revezava o maestro Damiano Cozzella, o poeta concretista Augustô de Carpos, o professor de semiótica e também concretista Décio Pignatri e Amilton Godoy, do Zimbo Trio, que tinha por missão executar as partituras ao piano.

Naquele ano ainda não eram aceitas inscrições com as músicas gravadas em fita. Eu não dava palpites na escolha. Uma verdadeira indústria da partitura foi acionada e pela caligrafia sabíamos a origem. A exigência da partitura serviu para limitar o número de inscrições, mas ainda assim era um trabalho que necessitava de toda a concentração dos jurados. Escolhi o Guarujá, a então cidade “chique” do litoral paulista para sede do primeiro festival. Imaginava que, durante a sua realização, a convivência dos concorrentes com a imprensa e a vida por alguns dias em uma localidade pequena, onde o assunto predominante fatalmente seria a música popular, serviriam de motivo para várias matérias nos jornais e revistas de todo o país e dariam ao festival uma dimensão que a distância e as dificuldades de acesso ao Guarujá somente iriam mitificar. Como acontecia com San Remo, ou mesmo Cannes, com seu festival de cinema.

Depois de muitos meses de angústia, finalmente um patrocinador: a Rhodia. Naqueles anos, na FENIT, a grande feira de produtos têxteis, as entradas para os shows apresentados no estande da Rodhia eram motivo de verdadeiras batalhas. Seu diretor de propaganda, Lívio Rangan, a cada ano preparava uma superprodução. Na seqüência, o espetáculo, que na verdade nada mais era do que um desfile de modas, percorria as principais cidades do Brasil, partindo em seguida para o exterior, cujas fotos e documentários com as top models da época serviriam para rechear a propaganda da empresa nas revistas brasileiras, além dos comerciais para a TV.

Lívio geralmente completava o elenco com o que era “moda” na música brasileira. Além de publicitário, era excelente produtor e exigente diretor, e podia sempre contar com somas vultosas para contratar os artistas que quisesse para promover seus produtos. Porém, seu gosto na produção dos trajes de seus espetáculos era discutível. Causavam-me até um certo mal-estar. Lívio viria a ser a minha salvação e o meu pesadelo.

Assumiu o patrocínio do festival com a condição de que as apresentações, além do Guarujá, fossem realizadas em São Paulo, Petrópolis e Rio, ocasiões em que aproveitaria para apresentar ao público local o “Show da Rhodia”, preparado para a próxima FENIT, que, exigiu, deveria anteceder as transmissões das músicas pela TV Excelsior. Embora contrariasse a minha idéia original e fora algumas previsíveis pequenas trombadas entre as equipes de produção, achei que sua exigência não iria atrapalhar, a não ser pelo cenário, concebido pelo Cyro Del Nero, para um desfile de modas, e não para um festival de música popular.

Ainda na preparação do festival, o primeiro problema surgiu na divulgação dos compositores classificados. Era evidente e inevitável que um grande número de medalhões tivesse ficado de fora. No Rio de Janeiro, contratado para fazer a divulgação do festival, trabalhava um velho jornalista, Nestor de Holanda. Foi justamente ele o porta-voz dos “desclassificados”. Lívio, preocupado com possíveis repercussões negativas, e diante de várias ameaças de jornalistas do Rio, fez veemente apelo à direção da Excelsior para que reconsiderássemos alguns casos. A pressão foi enorme. Exposto o problema aos jurados, algumas músicas foram ouvidas novamente e, com muita boa vontade, duas ou três, classificadas.

Mas o rolo compressor ainda estava por vir. A primeira eliminatória, com 12 músicas, seria no antigo cassino do Guarujá. A prefeitura, responsável pela cessão do local para a apresentação, distribuiu convites à vontade. A TV Excelsior colocou os seus à venda e a Rhodia foi generosa na distribuição da sua cota, e — surpresa — quase todos os convidados apareceram. Para fazer economia, elenco, orquestra e maestro chegaram para o ensaio geral no dia da apresentação. A equipe técnica já havia feito a sua parte. A cenografia, concebida para o desfile de modas, servia muito pouco para a televisão.

Depois de um tumultuado ensaio, em que os desfiles e o show da Rhodia que antecederiam festival tiveram prioridade, conseguimos passar as músicas. Em seguida reuni todo o elenco no Delfin Hotel para as últimas recomendações sobre maquiagem e guarda-roupa. A apresentação estava a cargo de Bibi Ferreira e Kalil Filho. Os jurados começavam a chegar. A transmissão seria ao vivo, ou seja, nada de atrasos. Hora de ir para o cassino. Quando fui me aproximando, pude ver que uma multidão circundava o antigo prédio estilo art deco. O maestro Sílvio Mazzuca, diretor musical do festival, veio ao meu encontro para meu espanto, confidenciou: “Não vai dar”. “Como não vai dar?”, perguntei. “O cassino já está completamente lotado e a polícia não deixa entrar mais ninguém.”

Pelas calçadas, no meio do público que tentava entrar, músicos, júri, cantores, jornalistas e convidados, ou seja, o festival estava do lado de fora. Tentamos nos aproximar da porta principal. Ninguém conseguia chegar. Aos berros, por uma janela lateral, falei com o administrador do Cassino. “Não posso fazer nada”, disse ele. “O engenheiro garante que a segurança do prédio já está comprometida e ele poderá desabar a qualquer momento.” Faltava pouco mais de uma hora para o início das transmissões. Sentei na calçada em frente ao cassino com os scripts. Ao lado, Bentinho, meu assistente, trazia todas as partituras em uma enorme pasta. Só nos restava ficar esperando o prédio cair.

Depois de alguns minutos e sem saber o que fazer, fui chamado às pressas: “Estamos conseguindo entrar por uma porta do outro lado do cassino”. Lá, a confusão também era enorme. Terminado o desfile, as modelos saíam, enquanto cantores, músicos, autoridades e jurados se espremiam na tentativa de entrar por uma minúscula porta guardada por alguns policiais comandados pelo diretor de atendimento da conta da Rhodia na Standard Propaganda, um baixinho que gritava histérico: “Ninguém mais entra! Ninguém mais entra!”. Alguém no seu ouvido indicava aqueles que faziam parte do espetáculo e cuja entrada deveria ser permitida.

Iam entrando um a um, e a porta era fechada para que verificassem quem era de fato importante o bastante para passar. As credenciais já não tinham nenhum valor. Quando tentava furar o bloqueio, alguém com um sotaque carregado me segredou: “Eu sou o presidente da Rhodia e gostaria que o senhor me ajudasse a entrar”. “Fique ao meu lado”, respondi, e coloquei-o entre mim e o Bentinho para protegê-lo. E fomos tentando nos aproximar da porta.

“Ele pode entrar. É o diretor”, salvou-me o cara que cochichava ao policial. O Bentinho também pôde passar. Quando o senhor presidente tentou se aproximar, o baixinho, cada vez mais intransigente e histérico, berrou: “Não pode entrar! Não pode!”, o que fez com que um dos policiais agarrasse o pobre senhor para enxotá-lo dali. “Este é o presidente da Rhodia”, cochichei ao baixinho. Ele parou, mudo, pálido. Tinha acabado de berrar com o seu todo-poderoso cliente sem se dar conta, e na seqüência, ao perceber a bobagem cometida e com a mesma histeria, correu atrás do policial que levava o obediente senhor pelo braço: “Ele tem que entrar! Ele tem que entrar. Pelo amor de Deus volte. Deixem esse homem passar, é o cliente. e o cliente”, suplicava quase chorando ao espantado policial, que não devia saber bem o significado e a importância da palavra cliente para um publicitário.

No salão o clima era de total confusão. Gente sentada pelo cenário. Alguns artistas conseguiram entrar pelas janelas e estavam espalhados no meio da multidão, que, inquieta, ensaiava as primeiras palmas de impaciência. Aos poucos todos foram chegando e com jeitinho, organizamos a transmissão, que ficou pronta trinta segundos antes da hora programada para entrar no ar. “Ao vivo” e.. em preto e branco.

As apresentações de São Paulo e Petrópolis, onde escolhemos - Hotel Quitandinha, transcorreram sem incidentes. A próxima etapa seria a final no Rio de Janeiro. Ao longo das eliminatórias, Livio foi tecendo sua teia ao redor do júri. Almoços aqui, presentinhos ali, e já contava com mais da metade dos jurados. Seu interesse estava em tornar vencedora a música que estava em seu show, e uma vitória no festival, sem dúvida, iria acrescentar mais um poderoso elemento promocional. O então diretor comercial da TV Excelsior, Clóvis Azzar, apoiava qualquer ação do representante do seu faturamento.

Elis não falava comigo. Estava ofendida pelo rompimento do nosso “noivado” e desconfiada que eu queria prejudicar uma das músicas que ela defendia, Por um amor maior, de Francis Hime e Ruy Guerra, sua preferida. A força de Arrastão, de Edu Lobo e Vinícius de Moraes, era gritante, e eu tinha de tentar neutralizar o “lobby” montado pelo Lívio Rangan.

Não podendo contar com Elis, tentei uma jogada arriscada. Depois de passar horas esperando uma ligação telefônica para São Paulo, consegui localizar Walter Silva, que na época apresentava um programa de rádio de grande audiência, “O Picape do Pica-Pau”, e relatei o que estava acontecendo. Walter não economizou palavras e desancou o festival em seu programa, denunciando inclusive as pressões do Lívio sobre os compositores da velha guarda, classificadas como uma manobra no mínimo pouco ética.

Minutos antes do início da finalíssima, no teatro da TV Excelsior do Rio de Janeiro, o antigo Cine Astória, quando os jurados já estavam nos seus lugares e depois de me certificar da repercussão das denúncias do Walter Silva, me aproximei do Lívio e contei o que estava acontecendo em São Paulo.

Preocupado em ser envolvido publicamente em uma trama que fatalmente resultaria em escândalo, juntou o seu grupo de jurados e os liberou para que votassem de acordo com a sua preferência. Resultado: Arrastão, de Edu Lobo e Vinícius de Moraes, primeiro lugar; Elis Regina, melhor intérprete..."

Fonte: Prepare seu Coração (A História dos Grandes Festivais) – Solano Ribeiro – Geração Editorial, 2002

2º Festival da MPB

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Chico Buarque e Jair Rodrigues - empate e consagração

2º Festival Nacional da MPB - TV Excelsior (junho, 1966): 1º - Porta-estandarte, de Geraldo Vandré e Fernando Lona, com Tuca e Aírto Moreira; 2º - Inaê, de Vera Brasil e Maricene Costa, com Nilson; 3º - Chora Céu, de Adilson Godoy e Luiz Roberto, com Cláudia; 4º - Cidade Vazia, de Baden Powell e Lula Freire, com Milton Nascimento; 5º - Boa Palavra, de Caetano Veloso, com Maria Odete.

2º Festival da MPB - TV Record (setembro-outubro, 1966): 1º - A banda, de Chico Buarque, com Chico Buarque e Nara Leão; Disparada, de Geraldo Vandré e Théo de Barros, com Jair Rodrigues e Quarteto Novo; 2º - De amor ou paz, de Adauto Santos e Luiz Carlos Paraná, com Elza Soares; 3º - Canção para Maria, de Paulinho da Viola e Capinan, com Jair Rodrigues; 4º - Canção de Não Cantar, de Sérgio Bittencourt, com MPB-4; 5° - Ensaio Geral, de Gilberto Gil, com Elis Regina.

"...1966. Era o meu segundo festival. A Record também já havia feito um festival de música, do qual tomei conhecimento quando já estava contratado, que havia sido organizado por Theófilo de Barros, o pai do Théo Barros. Em vista disso, achei que podia chamá-lo de “Segundo Festival da Música Popular Brasileira”, que acabou ficando conhecido como o Festival da Record.

Ocupei uma das salas de um anexo ao Teatro Record, na rua da Consolação, um prédio antigo de quatro andares, ao lado de um cinema que havia sido adaptado como teatro, para apresentar as atrações que o Paulinho Carvalho contratava. Para minha secretária trouxe Marilu Martinelli, um assistente, Renato Corrêa de Castro, o Renatão, e na assessoria de imprensa o jornalista Alberto Helena Júnior.

Vale registrar que nessa época a revista Intervalo, da Editora Abril, com um enfoque moderno, uma estética fotográfica que valorizava e dava status aos artistas principalmente com uma nova filosofia na apresentação de suas matérias, com abordagem objetiva e charmosa dava destaque à programação produzida em São Paulo. Por ser uma revista de grande vendagem - era um “guia de programação” — teve um peso expressivo na ascensão da TV Record, pela valorização da imagem de seu elenco.

A Record, com o sucesso do “Fino da Bossa”, abriu uma linha de programas musicais e contratou, talvez, o maior elenco de cantores, compositores e músicos jamais reunido por uma emissora de televisão. Semanalmente desfilavam por sua programação os maiores nomes da nova e da velha geração de astros da música brasileira, além de um bando de cabeludos comandados por Roberto Carlos que, nas tardes de domingo, faziam a “Jovem Guarda”. Era fácil trabalhar com música na Record. Quem não estava passava por lá para participar de algum programa.

A fim de facilitar a triagem das músicas do festival, dessa vez permitimos que fossem inscritas em fitas, além de continuar exigindo a partitura, em uma tentativa de limitar o seu número. E esse número seria imenso. Ainda na fase de inscrições, uma nuvem negra no horizonte, mais precisamente nas proximidades do aeroporto, onde era a sede da Record. Os estúdios foram completamente destruídos por um incêndio. A atuação de todos os profissionais foi impressionante. Ainda havia fogo no estúdio quando, sob o comando de Paulinho de Carvalho e improvisando condições que contrariavam todos os manuais técnicos, as imagens foram novamente para o ar. Toda a programação ficou concentrada no pequeno Teatro Record da rua da Consolação.

“Foi-se o festival”, pensei. Mas o Paulinho, com uma determinação contagiante, decidiu manter todos os programas no ar e ainda prosseguir com os projetos em andamento. Para que o trabalho do júri prévio, na seleção das músicas que comporiam o festival, transcorresse sem interferências, resolvi escondê-lo. O pai do maestro Júlio Medaglia, o velho Júlio, nos ofereceu os fundos de sua casa, no Alto da Lapa, onde reunimos time de primeira linha: o professor e poeta Décio Pignatari, o jornalista Sérgio Cabral, os maestros Rogério Duprat e Damiano Cozzella, o pianista César Camargo Mariano, o roteirista e diretor da Record Raul Duarte, o psicanalista e escritor Roberto Freire, além do próprio Júlio.

Se alguém passasse por perto iria achar que lá estava reunido um bando de loucos. Sino, buzinas, chocalhos, bonequinhos de borracha com apitos interrompiam as músicas e serviam para descarregar as tensões de uma forma bem-humorada, a cada vez que algum trabalho que merecesse a classificação de bestialógico era ouvido, o que era rotineiro. A intensidade da manifestação era proporcional à estupidez apresentada. Um estranho bonequinho de borracha com um apito estridente, levado pelo César, que o batizou de “Sdruff’, criou o termo sdrufar que identificava o destino das músicas que mereciam o lixo. Sdrufávamos sem levar em conta a importância de quem assinasse o trabalho.

Os nomes não eram conhecidos durante a triagem, mas eram inevitáveis algumas identificações. Quanto mais conhecido o compositor, maior o rigor com a qualidade. Era um trabalho estafante, recompensado de vez em quando, com deliciosos sanduíches, preparados com carinho por dona Miquellina, regados pelos refrescantes sucos do velho Medaglia, que ao final das sessões nos brindava com uma estimulante batida de limão. Porém, quando aparecia uma música bem trabalhada, em que o talento falava mais alto, a alegria era imensa. Enfim, mais um compositor popular.

Assim, nesse ano descobrimos Martinho da Vila. Em uma fita vinda de Salvador, cantando a música de um tal Antônio Carlos Marques Pinto, que mais tarde faria dupla com o Jocafi, uma excelente cantora, Maria Creuza, imediatamente contratada pela TV Record, e tantos outros. Um novo trabalho de Caetano Veloso, que já havia estado entre os classificados na Excelsior com Boa Palavra, levaria dessa vez o prêmio de melhor letra com Um Dia. Gilberto Gil classificou Ensaio Geral, que daria o prêmio de melhor intérprete para Elis Regina. Mas o que marcou de fato o festival de 1966 foi a disputa entre duas músicas de características bastante diferentes: A Banda e Disparada.

Eu havia aconselhado o Vandré a olhar com carinho para a música sertaneja, e creio que devo tê-lo influenciado para que compusesse Disparada. Difícil foi convencê-lo a não cantá-la. O Vandré, embora tivesse uma boa presença no palco, não era muito conhecido e ainda não tinha cancha suficiente para encarar, em um espetáculo sempre cheio de tensões, uma música que exigia grande força interpretativa. Quando sugeri o Jair Rodrigues, que já era um sucesso no “Fino da Bossa”, a reação foi de incredulidade. Afinal, o Jair era sambista, mas nas horas vagas brincava de cantar canções sertanejas, talvez influenciado pelo seu empresário, o Corumbá, que formava com Venâncio uma dupla caipira famosa.

O Vandré foi conferir. Fez alguns ensaios e ficou convencido. Com o Trio Marayá e o Trio Novo, formado por Heraldo do Monte na viola caipira, Théo de Barros ao vilão e Aírto Moreira na percussão, montaram um número muito forte. Uma queixada de burro, habilmente manipulada na primeira eliminatória por Aírto e na final por Manini, deu o toque final. O Chico se apoiou na tímida, porém cheia de joelhos e charme, Nara Leão. Os dois se completavam e a inclusão de uma bandinha de verdade resultou em outro número fortíssimo, apesar da timidez evidente que ambos demonstravam no palco.

As duas foram classificadas para a final. Estava na cara que uma delas seria a vencedora do festival. Os discos não paravam de tocar em todas as rádios, e a disputa entre o Chico e o Vandré virou o assunto do país. Primeiras páginas de todos os jornais. A brincadeira era: Você é dos “bandidos” ou dos “disparatados”?

Era incrível que um evento que acontecia em um pequeno auditório, com pouco mais de quinhentos lugares, tivesse adquirido aquela dimensão. Na noite da finalíssima, os teatros da cidade de São Paulo suspenderam seus espetáculos por falta de público, os cinemas ficaram às moscas e as ruas, vazias. Cheguei a receber uma comissão de produtores teatrais pedindo que mudasse o dia das apresentações do festival.

A apresentação das músicas foi inesquecível. A platéia dividiu-se. De um lado, a turma universitária que torcia apaixonadamente pelo seu representante, com o ingênuo e poético desfile dos personagens de uma cidade que parava para ver a banda passar tocando coisas de amor. Uma marchinha singela e de poucos atrativos musicais. Do outro, os que respondiam ao apelo engajado do cavaleiro de laço firme e braço forte de um reino que não tinha rei. Foi uma apresentação emocionante e consagradora, tanto para o Chico e sua companheira Nara, como para o Vandré, via Jair Rodrigues.

O júri estava reunido e os boatos, rolando. Ganhou o Chico! Não, ganhou o Vandré! Era de fato uma decisão difícil. Em uma reunião prévia dos jurados naquela tarde, para criar critérios na tentativa de evitar que a disputa entre as duas terminasse beneficiando uma terceira, o que seria desastroso, a tendência parecia dar a vitória ao Chico. Ficou acertado que a decisão definitiva só aconteceria depois da apresentação das músicas, para que fosse levada em consideração a reação do público.

O Paulinho de Carvalho temia que destruíssem o teatro caso o resultado não fosse do agrado daquela gente que, emocionada, cantava as duas favoritas. Era impossível saber qual era a preferida. Outro papo rolou pelos bastidores: o Chico não aceitaria a vitória. Eram boatos desencontrados e o júri, embalado por um dos mais emocionantes espetáculos musicais até então apresentados pela televisão brasileira, recorde de audiência para programas musicais, votou pelo empate, recebido pela platéia do Teatro Record com aplausos delirantes. E com evidente alívio pelo Paulinho de Carvalho...".

Fonte: Prepare seu Coração (A História dos Grandes Festivais) – Solano Ribeiro – Geração Editorial, 2002

A derrocada dos Festivais

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Aquele Abraço - Campanha publicitária da Petrobrás em 1969Com a imposição do Ato Institucional n° 5, seus efeitos fizeram-se sentir na sociedade como um todo. As expressões culturais em geral, e a música em particular, já eram vistas como espaços possíveis de resistência e subversão. O IV Festival de MPB da TV Record mal havia terminado, quase coincidindo com a edição do AI5 e, a 27 de dezembro de 1968, Gilberto Gil e Caetano Veloso foram detidos em São Paulo, em princípio para prestar depoimentos. Numa perua Veraneio, veículo de transporte da polícia, os dois compositores terminaram no Rio de Janeiro no Regimento de Pára-quedistas, de onde só cinco meses depois seriam soltos para, a “conselho” das autoridades, deixarem o país. Do exílio, em Londres, só voltariam quase três anos depois. Para justificar a prisão desses artistas, o DOPS buscou outros indícios para reforçar a medida:

Declarações datadas de 27.11.1969 de Antonio Carlos Martins, argentino, traficante de tóxicos — cocaína. Com referência a Caetano Veloso, consta que é ‘seu cliente’ (Documento 50-Z-9-1 1915. Arquivo do DOPS. Arquivo Público do Estado de São Paulo).

Para além da acusação de subversão, somava-se um depoimento talvez forjado — que permitia enquadrar Caetano Veloso corno um drogado. No arquivo do DOPS, Caetano Veloso freqüentemente é citado como “marginado” (sic), “sem qualificação” e, agora, como viciado em drogas. Se olhássemos friamente essas fichas, sem o conhecimento da obra de Caetano, imaginaríamos outra pessoa, incapaz de criar versos que até hoje, há 30 anos, nos vêm facilmente à memória e remetem ao entendimento de uma época. Mesmo presos, Gil e Caetano tinham livre sua obra, que mesmo em outras vozes ousavam desafiar:

Informe n. 42 datado de 17.2.1969 da 4a. Zona Aérea, constando que no programa de televisão “Vida Paixão e Banana do Tropicalismo”, havia alguns pontos discutidos e recusados pelos patrocinadores pelo seu conteúdo agressivo, fora de lugar, num programa que deveria ter sido um musical. Entre os tópicos cortados, consta a parte musical de números como “Tropicália’, de Caetano Veloso, onde inclusive constam no arranjo, algumas notas do hino internacional comunista etc. (Documento 50-D-26-787. Arquivo do DOPS. Arquivo Público do Estado de São Paulo).

A música Sabiá, referia-se ao exílio de intelectuais e políticos de oposição e que logo atingiria os compositores da MPB. Geraldo Vandré, que fora para o Chile, Chico Buarque, para a Itália e Edu Lobo para os EUA, comporiam o time de artistas “convidados” ao retiro. Ainda que o exílio significasse, para quem o impôs, urna forma de afastar alguma voz incômoda, a ausência desses compositores era lamentada por parte do público, como na carta de uma leitora do semanário Pasquim:

Tendo acabado de ler o número 12 desse precioso informativo, tomo da máquina de escrever para rogar-lhes responder-me, com urgência urgentíssima, uma questão de suma e vital importância: Cadê o Chico Buarque? Sem ele, o PASQUIM não é PASQUIM, e sim pasquim. Assim como, sem ele, onde está a música? Só tem dado música por aí. Talvez possam os senhores (podem acrescentar um ‘digno’ antes dos senhores, não vou cobrar) também informar se e quando Chico está por estas bandas (juro que não foi intencional) ou, pelo menos, quando é que vou ficar de novo grudada na vitrola, sentindo todas as poesias que ele se dá ao luxo de musicar. Quando é que vamos ter mais Chico? Chico é poesia e sem poesia a vida é muito chata (Carta enviada pela leitora Adélia Cruz, de São Paulo, capital, para o Pasquim, n. 13, setembro de 1969, p. 16).

Se a presença desses autores incomodava pelo movimento de reflexão que proporcionavam, a ausência deles não cessava esse movimento. Os compositores e intérpretes que aqui ficaram não gozaram de melhor sorte, pois o cerco da censura sobre suas composições crescia e era quase impossível o trabalho autônomo, sem a interferência da censura. Os festivais organizados a partir de 1969, sem a presença daqueles compositores consagrados, sentiram os efeitos daquela “diáspora” e da repressão. A ausência daqueles abre espaço para novos compositores, mas o contexto político-ideológico contribuiu para o aparecimento de canções que destoavam das que, até então, marcaram indelevelmente os festivais. A exceção, talvez um último suspiro da MPB nos festivais, tenha sido a música Sinal Fechado, de Paulinho da Viola, vencedora do V Festival de MPB da Record:

Olá, como vai / Eu vou indo e você tudo bem / Tudo bem eu vou indo / Correndo pegar meu lugar / No futuro e você / Tudo bem eu vou indo / Em busca de um sono tranqüilo / Quem sabe / Quanto tempo, pois é quanto tempo / Me perdoe a pressa / E a alma dos nossos negócios / Pois não tem de que / Eu também só ando a cem / Quando é que você telefona / Precisamos nos ver por aí / Pra semana prometo talvez nos vejamos / Quem sabe / Quanto tempo, pois é quanto tempo / Tanta coisa que eu tinha a dizer / Mas eu sumi na poeira das ruas / Eu também tenho algo a dizer / Mas me foge à lembrança / Por favor telefone eu preciso saber / Alguma coisa rapidamente / Pra semana — o sinal / Eu procuro você — vai abrir / Prometo não esqueço / Por favor não esqueça / Não esqueça Adeus — adeus

VIOLA, P. da. Sinal Fechado (LP). Paulinho da Viola. São Paulo: EMI-Odeon (31C 052422023), s/d.

As outras músicas classificadas no mesmo festival já não traziam qualquer denúncia mais explícita sobre a realidade da época. Vejamos a letra de outra vencedora, Cantiga por Luciana, de Edmundo Souto e Paulinho Tapajós, interpretada pela estreante Evinha, que venceu o IV Festival Internacional da Canção, da TV Globo, em 1969:

Manhã / No peito de um cantor / Cansado de esperar só / Foi tanto tempo que nem sei / Das tardes tão vazias / Onde andei / Luciana, Luciana / Sorriso de menina / Dos olhos de mar / Luciana, Luciana / Abrace essa cantiga / Por onde passar / Nasceu / Na paz de um beija-flor / Um verso em voz de amor / Já desponta os olhos da manhã / Pedaços de uma vida / Que abriu-se em flor / Luciana, Luciana (...)

(*) SOUTO, E. e TAPAJÓS, P. As canções que lembram você (LP). Evinha. São Paulo: EMI-Odeon (60560088), s/d.

Músicas como esta, certamente não se destacariam naquele ano se não fosse o cerco imposto à MPB. Havia música popular brasileira, mas a MPB, sigla que designava uma música propiciadora de reflexão e portadora de uma postura crítica, migraria para espaços menos privilegiados, nos interstícios do sistema, naquilo que Gilberto Vasconcelos designou de “frestas”.

Em Sinal Fechado, o autor já colocava em dúvida o possível reencontro com os compositores que se foram: “Quando é que você telefona / Precisamos nos ver por aí / Pra semana prometo talvez nos vejamos / Quem sabe ...“. O futuro era incerto e, por enquanto, havia obstáculos para se dizer, a afasia imperava na música: “Tanta coisa que eu tinha a dizer (...)“.

Enquanto a MPB se mantinha na intenção, esse espaço outrora repleto de protestos e denúncias, alguns mais explícitos, ou mesmo poéticos, era preenchido por canções afásicas, destituídas da incipiente tradição constituída nos festivais. Uma tradição que fora construída nas composições, em versos bem trabalhados, no palco, onde a disputa se dava a partir da mensagem crítica e, para além de tudo isso, no público, que se posicionava aplaudindo, vaiando e utilizando o espaço dos festivais para interferir na realidade.

Levamos ao conhecimento dessa Chefia que segundo comentário no meio estudantil de São Paulo, Chico Buarque de Holanda, Wilson Simonal e outros artistas vinculados ao setor radiofônico estariam articulando a realização de uma passeata, que aparentemente se relacionaria com o ‘Festival da Música Popular Brasileira’. Essa passeata, no entanto, propiciaria a infiltração de universitários que, ao seu final, apresentariam faixas e cartazes anunciando o encerramento do XXIX Congresso da UNE, burlando, dessa forma, a repressão policial. Segundo consta, ainda, o único que por enquanto manifestou-se contrário à idéia, foi o cantor Roberto Carlos, que colocou-se à margem dos entendimentos que nesse sentido estariam entabulados.

Nota: É de se notar que o referido festival foi inaugurado, há cerca de quinze dias, com uma concentração e posterior passeata, que se iniciou no Largo São Francisco com destino ao Teatro Record-Centro (Teatro Paramount). ‘SEP’, em 7-Ago-1967.( Documento 50-C-22-1647. Arquivo do DOPS. Arquivo Público do Estado de São Paulo).

O festival mencionado foi o III Festival de MPB da TV Record que, além de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Sérgio Ricardo, Geraldo Vandré, contou com a presença de Roberto Carlos. Com o endurecimento do regime político e o A.I.5, os festivais foram sendo conquistados, pois, se a cultura é um campo de lutas, os festivais, em todos os seus espaços de atuação, também o eram.

Em 1970, Caetano e Gil ainda em Londres, Chico Buarque retorna ao Brasil, e o compacto com a música Apesar de Você é vetado pela censura. (Enquanto isso, o hino Pra Frente Brasil, de Miguel Gustavo, feito para a seleção brasileira de futebol que buscava a conquista do tri-campeonato mundial no México, alcançava enorme êxito popular).

Amanhã vai ser outro dia / Hoje você é quem manda / Falou, tá falado, não tem discussão, / A minha gente hoje anda falando de lado / E olhando pro chão, viu / Você que inventou esse estado / E inventou de inventar toda a escuridão / Você que inventou o pecado / Esqueceu-se de inventar o perdão / Apesar de você, amanhã há de ser outro dia / E eu pergunto a você onde vai se esconder / Da enorme euforia / Como vai proibir / Quando o galo insistir em cantar / Água nova brotando, e a gente se amando sem parar / Quando chegar o momento / Esse meu sofrimento vou cobrar com juros, juro! / Todo esse amor reprimido, esse grito contido / Esse samba no escuro / Você que inventou a tristeza / Ora, tenha a fineza de desinventar / Você vai pagar e é dobrado / Cada lágrima rolada nesse meu penar / Apesar de você, amanhã há de ser outro dia / Ainda pago pra ver o jardim florescer / Qual você não queria / Você vai se amargar / Vendo o dia raiar / Sem lhe pedir licença / E eu vou morrer de ‘rir / E esse dia há de vir / Antes do que você pensa / Apesar de você, amanhã há de ser outro dia / Você vai ter que ver / A manhã renascer e esbanjar poesia / Como vai explicar / Vendo o céu clarear de repente, impunemente / Como vai abafar / Nosso povo a cantar na sua frente / Apesar de você, amanhã há de ser outro dia /
Você vai se dar mal, etc e tal ... (Apesar de Você)

(HOLANDA, C. B. de. Chico Buarque (LP). Chico Buarque. Rio de Janeiro: Philips (6349398), 1978).

A gravação dessa música seria permitida somente em 1978, momento em que é revogado o A.I.5 e tem andamento o processo de anistia, permitindo o retorno de exilados. Nessa composição, Chico Buarque lança mão outra vez da metáfora do dia que virá. O autor começa com o diagnóstico sobre como é o dia de hoje. O sujeito da letra é indeterminado, mas tem endereço certo: “Hoje você é quem manda / Falou, tá falado, não tem discussão, não (...)“. Enquanto Apesar de Você era proibida, o V Festival Internacional da Canção da TV Globo premiava em primeiro lugar BR-3, de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar, na interpretação de Tony Tornado.

A gente corre / E a gente corre na BR-3 / E a gente morre / E a gente morre na BR-3 / Há um foguete / Rasgando o céu, cruzando o espaço / E um Jesus Cristo feito em aço / Crucificado outra vez / Há um sonho / Viagem multicolorida / Às vezes ponto de partida / As vezes ponto de um talvez / Há um crime no longo asfalto dessa estrada / E uma notícia fabricada / Pro novo herói de cada mês / Na BR-3 Por isso eu morro na BR-3 / Por isso eu corro, corro / E tiro do vento na BR-3 / E novo vento na BR-3 / E o mundo se move na BR-3 / I love you baby, baby / Eu morro / Por isso tudo eu corro / Corro na BR-3... (ADOLFO, A. e GASPAR, T. / Sem referência de gravação).

A despolitização dos festivais, devido à repressão expressa na censura às canções e no exílio dos compositores, também contou com a participação da indústria cultural. Se os militares foram responsáveis pelos investimentos que garantiram um suporte tecnológico para o funcionamento de uma indústria cultural, no intuito de promover uma integração nacional — idéia central na ideologia da Segurança Nacional — e unificar politicamente as consciências, os empresários interessavam-se pela integração do mercado consumidor (ORTIZ, R. A Moderna Tradição Brasileira. Op. cit., p. 118).

Como a ideologia da Segurança Nacional é ‘moralista’ e a dos empresários, mercadológica, o ato repressor vai incidir sobre a especificidade do produto. Devemos, é claro, entender moralista no sentido amplo, de costumes, mas também político. Mas se tivermos em conta que a indústria cultural opera segundo um padrão de despolitização dos conteúdos, temos nesse nível, senão uma coincidência de perspectiva, pelo menos uma concordância. (Ibid., p. 119).

A censura é um artifício imanente às ditaduras e, no Brasil, foi o preço a ser pago até pelos empresários, já que o Estado controlado pelos militares era o principal incentivador do desenvolvimento capitalista. A busca de uma identidade nacional pelo Estado pelo viés da indústria cultural é reinterpretada em termos mercadológicos: a “nação integrada” é, antes, a interligação dos consumidores espalhados pelo país. Nesse sentido, o nacional identifica-se ao mercado.

Os festivais de MPB eram locais de resistência para público, compositores e intérpretes e também espaço para início da carreira destes; para os patrocinadores eram vitrinas em que exibiriam seus produtos. As músicas que se destacavam pelo conteúdo de denúncia sócio-política, conectando seus compositores à realidade, na lógica das gravadoras, eram vendidas como produtos no mercado.

Aproveitando-se do sucesso dos festivais, outros produtos eram ligados às músicas, às imagens contidas nas letras, aos instrumentos e aos próprios compositores e intérpretes. Para se ter uma idéia do alcance dos festivais — um dos principais produtos oferecidos pela televisão de então —, em 1959 o número de aparelhos em uso no Brasil era de 434 mil; em 1969 saltou para 4,36 milhões. Levando-se em conta que era comum a reunião de familiares, amigos e vizinhos em tomo de cada aparelho, o público receptor se multiplica.

Os festivais de MPB e suas músicas são apropriados como produtos retrabalhados e re-significados para vender outros produtos. É o caso da Petrobrás que, em 1969, lança uma campanha publicitária cujo mote é Aquele Abraço, aproveitando o título, a letra e as figuras da música de Gilberto Gil, feita às vésperas da partida do compositor para Londres.

Num momento em que o Estado e as multinacionais são os maiores investidores em publicidade, ironicamente o mesmo Estado que prende e depois expulsa do país, utiliza o trabalho de uma persona non grata para promover sua principal empresa. A lógica do mercado esvaziava, assim, qualquer intenção de politização na música.

O Rio de Janeiro continua lindo / O Rio de Janeiro continua sendo / O Rio de Janeiro, fevereiro e março / Alô, alô realengo / Aquele abraço / Alô torcida do Flamengo / Aquele abraço / Alô moça da favela / Aquele abraço / Todo mundo da Portela / Aquele abraço / Todo mês de fevereiro / Aquele passo / Alô banda de Ipanema / Aquele abraço / Meu caminho pelo mundo / Eu mesmo traço / A Bahia já me deu / Régua e compasso / Quem gosta de mim sou eu / Aquele abraço / Pra você que me esqueceu / Aquele abraço (...) Todo povo brasileiro / Aquele abraço (GIL, G. Á Arte de Gilberto Gil (LP Álbum). Gilberto Gil. São Paulo: Fontana (6470537), 1975).

Com o A.I.5, a atuação dos compositores fica restrita, pois o exílio e a censura prévia banem a possibilidade de apresentações e a participação em festivais. As agências de publicidade, vinculando refrões e imagens ligadas às composições, conseguem, pela ótica do mercado de consumo, a obediência que a ditadura não conseguiu com prisões e expurgos. Ao retrabalharem a canção numa linguagem, sobretudo visual, as agências descaracterizam-na, contribuindo para a despolitização das pessoas — tornados consurnidores —, anulando qualquer denúncia e colocando-a a seu serviço, estimulando vendas e, no caso das estatais, revertendo maiores lucros ao governo e fortalecendo-o.

(..) A produção de imagens fornece também uma ideologia dominante. A transformação social é substituída por uma transformação das imagens. A liberdade de consumir uma pluralidade de imagens e bens equivale à própria liberdade. A conota ção da liberdade de opção política em liberdade de consumo econômico exige a produção ilimitada e o consumo de imagens (SONTAG, S. “O Mundo-Imagem”. In Ensaios sobre a Fotografia. Rio de Janeiro: Arbor, 1981, p. 171).

Mesmo antes do A.I.5, essa relação entre festivais e patrocinadores já existia. Juca Chaves, tido como compositor talentoso, associou sua imagem a Abbey, o “whisky dos ‘experts’. Wilson Simonal, participante de vários festivais, até 1969 era garoto-propaganda da Esso; a partir daquele ano trocou o tigre da Esso pelo elefante da concorrente Shell (Revista Veja. São Paulo: Abril, ano II, n. 55, 24 de setembro de 1969, p. 58 e 59.)

Essa apropriação da música pela indústria de consumo, porém, não ficou restrita à MPB. As expressões e as figuras características da Jovem Guarda foram associadas a marcas de cigarros e à própria TV Record, responsável pelo programa dominical. Outra forma de associar um produto aos festivais era tê-lo utilizado pelos compositores e intérpretes. É o caso do violão, carregado de significados, pois representava a brasileira MPB em oposição às guitarras elétricas e instrumentos eletrônicos que abundavam no rock e no ié-ié-ié.

Com o sucesso dos festivais, as vendas de violão crescem consideravelmente, num primeiro momento devido à Bossa Nova e, depois, pelas interpretações marcantes de composições de Geraldo Vandré, Chico Buarque, Sérgio Ricardo e, no pré-tropicalismo, de Gilberto Gil e Caetano Veloso. É revelador o depoimento do presidente da empresa Di Giorgio, à época um estudante que engrossava o público dos festivais:

(...) A empresa... tinha uma linha diversificada de instrumentos, da qual a gente pode destacar cavaquinho, bandolins, viola, chegamos a fabricar até violinos, basicamente instrumentos de cordas acústicos. E após o advento da Bossa Nova e a era dos festivais, nós concentramos e passamos a fabricar somente violão ... Nós conseguimos criar uma imagem forte com o violão em função dessa estrada que nós trilhamos, a partir dos anos 60... Construímos este edifício onde você está agora com o resultado dessa grande venda que teve na época... E nós passamos de uma produção, pra você ter uma idéia, de 50 violões/dia que nós fabricávamos pra 150 violões/dia... A somatória do advento dos festivais com a Bossa Nova foi um divisor de águas para a empresa... foi uma coisa muito importante na época.(...) (Depoimento de Reinaldo Di Giorgio Jr, em 31 de julho de 1997, em São Paulo).

No caso do violão, se a MPB e a Bossa Nova contribuíram para acelerar sua popularização e consumo, a indústria reforçou uma tradição musical: um instrumento vendido como produto de consumo, nas mãos do consumidor torna-se veículo de memória, constituindo-se numa outra fresta por onde a MPB poderia penetrar e manter-se em movimento — sendo cantada e participando das experiências do público.

Fonte: MPB em Movimento - música, festivais e censura - Ramon Casas Vilarino - Editora Olho D'Água.

Bienal do Samba

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I Bienal do Samba - TV Record (maio, 1968):

1º - Lapinha, de Baden Powell e Vinícius de Moraes, com Elis Regina; 2º - Bom tempo, de Chico Buarque, com Chico Buarque e MPB-4; 3º - Pressentimento, de Elton Medeiros e Hermínio Bello de Carvalho, com Elza Soares.

“O protesto dos sambistas, endossado pelos jornalistas, críticos de música, principalmente os do Rio de Janeiro, reclamando que o samba não tinha tido uma presença marcante no festival, fez com que criássemos a Bienal do Samba.

O sucesso do programa “Bossaudade”, apresentado por Ciro Monteiro e Elizete Cardoso, com um elenco basicamente “velha guarda”, justificava mais esta experiência. Um evento competitivo, cujos participantes foram escolhidos por uma comissão especial. Cada compositor indicado inscrevia a música que quisesse, sem julgamento prévio, desde que foss inédita, cláusula do regulamento que, para meu desespero, causou a desclassificação da belíssima Wave de Tom Jobim, porque já tinha sido gravada nos Estados Unidos por Sérgio Mendes.

Chico Buarque inscreveu um maxixe, Bom Tempo; Ataulfo Alves veio com Laranja Madura; Paulinho da Viola trouxe Coisas do Mundo, minha Nega; Baden Powell inscreveu Lapinha, em parceria com Vinícius de Moraes, que seria cantada por Elis Regina.

Enquanto eram concluídos os preparativos para a Bienal, em uma tarde de ensaios, pelos corredores do Teatro Record, ouvia-se o eco de uma batucada irresistível. Um bando de sambistas irradiando uma alegria contagiante ensaiava um número no qual faziam a base rítmica para algum samba a ser apresentado no “Bossaudade”. Eram Os Originais do Samba.

Imediatamente os convoquei para participarem da Bienal, e qual não foi a minha surpresa quando a maioria dos compositores inscritos, à medida que iam ouvindo o grupo, fazia questão de tê-los participando de seus números. Foi difícil deixar de atender. O resultado final foi de uma lógica cristalina: Lapinha, de Baden Powell e Vinícius de Moraes, cantada pela Elis e com o apoio dos Originais do Samba, dominou a Bienal desde a sua primeira apresentação e se tornou um número imbatível. Além de levar Lapinha ao primeiro lugar, Elis foi a melhor intérprete.

Em segundo lugar ficou Bom Tempo, de Chico Buarque, em terceiro Pressentimento, de Élton Medeiros e Hermínio Belo de Carvalho, em quarto Canto Chorado, de Billy Blanco, em quinto Tive Sim, do Cartola, em sexto Coisas do Mundo, minha Nega, de Paulinho da Viola, e em sétimo Marina, de Sinval Silva.

Na preparação da Bienal do Samba a necessária convivência com o elenco do programa “Bossaudade”, além de uma experiência humana maravilhosa, às vezes nos levava a momentos engraçados. Era comum a turma liderada pelo Ciro Monteiro, e sempre na companhia de Araci de Almeida, sair para jantar depois do programa. Antes e durante a gravação era regra que ninguém bebesse, mas depois...

Após um ruidoso jantar, aquele grupo alegre e descontraído de sambistas perdidos na noite da paulicéia desvairada saía a pé pelas ruas do centro, caminhando e sambando, em uma verdadeira crucis pelos bares onde ainda existia música ao vivo rolando. De canja em canja, e de gole em gole, a noite ia passando e o time aumentando. Era comum aquele bando acabar no café da manhã do Hotel Normandie, na avenida Ipiranga, onde a Record tinha permuta para hospedar seus artistas.

Certa madrugada, com os primeiros lampejos do dia nos ameaçando, ao passarmos pela esquina da avenida Ipiranga com a São João, Araci de Almeida, com seu jeito autoritário, disparou com solenidade: “Agora, em homenagem ao Paulinho Vanzolini, que fez a fama desta avenida, eu convido todo mundo para uma última rodada”. Assumiu então a frente do grupo, que, obediente, não . tinha outra alternativa senão segui-la. Uma dose a mais ou a menos já não faria muita diferença. Para surpresa geral, a Araca levou a turma para uma farmácia e foi logo ordenando a um espantado atendente: “Manda uma vitamina B12 na veia dessa moçada, senão ninguém vai chegar em casa com o figado inteiro”, e acrescentou: “Essa quem paga sou eu!”.

Na verdade, tanto nos festivais da Excelsior como no da Record, o samba mostrou que não tinha como competir, pelo menos naquele momento, com os novos ritmos que dominavam a música popular brasileira, principalmente com as novas formas dinâmicas dos arranjos feitos especialmente para obter reações emocionais das platéias, já condicionadas a eleger sua favorita e torcer por ela.

A competição trouxe muitas deformações, mas era o que atraía a atenção para o espetáculo do festival, sempre construído de forma a ser, desde as eliminatórias, um simples mas atraente programa musical de televisão. Minha intenção sempre foi utilizar o festival como um painel do que estava sendo feito na música popular em todo o país. Isso resultou em uma diversidade muito grande de ritmos e estilos, do regional ao experimental, que eu fazia questão de manter sempre presente.

A possibilidade de apresentar um novato ao lado de um nome consagrado em igualdade de condições fazia do festival a única porta de entrada para um novo compositor e também para o lançamento de novos cantores e grupos, pois o seu extraordinário sucesso atraía todas as atenções, não só do público, dos críticos e da imprensa em geral, mas também dos responsáveis pelo mercado do disco, em geral incompetentes para lançar qualquer coisa que não preencha as expectativas do que costumam rotular de comercial ou, como se usa hoje, de mercado.

Confundem popular com vulgar e esquecem que a platéia brasileira responde de imediato e com entusiasmo toda vez que é colocada diante de uma música de boa qualidade. Hoje o peso da televisão é muito grande, mas infelizmente a maioria dos seus dirigentes está mais preocupada com os índices de audiência e não com qualquer compromisso coerente com a cultura do país, considerando a música brasileira mero subproduto.

Raras foram as vezes em que a MPB foi utilizada como um trabalho especialmente composto para o seu principal instrumento de faturamento que são as novelas. É impressionante constatar que o veículo que poderia ser importantíssimo para a divulgação do trabalho de compositores brasileiros e da nossa música em geral, popular ou erudita, é utilizado para o lançamento de coletâneas desconexas, aproveitando ou até fazendo o sucesso do que já foi testado como comercial.

A tal trilha internacional então é aberração definitiva. Assistimos, em um contexto brasileiro, a um personagem brasileiro ser brindado com um tema completamente dissociado de seu caráter, a serviço do lançamento de algum novo fonograma que tenha aparecido com algum destaque na parada de sucesso internacional.

A esperança é que a TV a cabo consiga valorizar a segmentação e que a força do mercado convença as Emitivis a aumentar ainda mais a participação da música brasileira nas suas programações e não tenhamos mais de assistir aos DJs falando nomes absolutamente desconhecidos do nosso público, com tal naturalidade e intimidade, como se tivessem acabado de encontrá-los na esquina. Quem sabe ainda teremos alguma EmePeBeTV. E não pensem que eu não gosto da música americana. Mas isso fica para depois.”

Fonte: Prepare seu Coração - A História dos Grandes Festivais - Solano Ribeiro - Geração Editorial.

3° Festival da MPB

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Ponteio
Edu Lobo e Marília Medalha, vencedores do Festival com Ponteio

3° Festival da MPB - TV Record (outubro, 1967)

1º - Ponteio, de Edu Lobo e Capinan, com Edu Lobo e Marília Medalha, Quarteto Novo e Momento Quatro; 2º - Domingo no parque, de Gilberto Gil, com Gilberto Gil e Os Mutantes; 3º - Roda viva, de Chico Buarque, com Chico Buarque e MPB-4; 4º - Alegria, alegria, de Caetano Veloso, com Caetano Veloso e Beat Boys; 5º - Maria, carnaval e cinzas, de Luiz Carlos Paraná, com Roberto Carlos.

"...O festival de 1967 foi, talvez, o mais rico musicalmente. Mais uma vez recorde de audiência, não somente para musicais, mas atingiu um número de espectadores jamais igualado até hoje por qualquer programa da TV brasileira. Era o ponto culminante do trabalho de todo aquele elenco, que tinha a platéia ideal para exercitar suas ousadias.

O júri prévio teve grande trabalho. Reunido mais uma vez nos fundos da casa dos Medaglia, teve dificuldade em definir as 36 eleitas. Sérgio Cabral defendeu com unhas e dentes a classificação de um samba estranho do Sérgio Ricardo, Beto Bom de Bola, que mais tarde iria dar o que falar. Gil, para fugir do regulamento, inscreveu como de autoria da Nana Caymmi Bom Dia, mais um tema urbano que chamou a atenção do júri prévio. Johnny Alf classificou Eu e a Brisa; Edu Lobo, Ponteio; Chico Buarque veio com Roda Viva.

Convocando Elis para defender sua música, Dori Caymmi e Nelson Motta classificaram O Cantador; Luiz Carlos Paraná convenceu Roberto Carlos a cantar Maria, Carnaval e Cinzas; O Combatente era uma triste tentativa de Walter Santos e Tereza Souza de entrar no clima festivalesco, contrariando todo o seu trabalho anterior, que o júri prévio deixou passar muito provavelmente por respeito aos autores. O Vandré, buscando um tema que não ferisse suas posições e representasse a classe que presumia ser seu eleitorado, classificou uma coisa estranha, movida a buzinas iluminadas, em uma tentativa de repetir o efeito causado pela queixada de burro, que falava do chofer de caminhão, De como um Homem Perdeu seu Cavalo e Continuou Andando, ou Ventania.

As gravadoras, percebendo o grande veículo em que o festival havia se transformado para seus artistas, passaram a incentivar a formação das torcidas, o que viria a perturbar o desenvolvimento normal da competição, desviando-a do caminho político,que havia ocupado até então, para o do marketing de artistas e gravadoras.

Em 1967, logo na primeira eliminatória, uma imensa torcida foi organizada para “apoiar” O Combatente, cantada pelo Jair Rodrigues. Sua desclassificação foi merecida no meu entender, pois era um trabalho que nada tinha a ver com o que o Walter Santos e a Tereza Souza haviam feito até então, que buscava nitidamente a reação da platéia através de recursos festivalescos. Foi a primeira. grande vaia dos festivais, o que deu início a uma seqüência de acontecimentos desagradáveis.

Mais grave foi a rejeição, pela platéia, ao samba de Sérgio Ricardo, Beto Bom de Bola, que mais uma vez, ajudado pelo jurado Sérgio Cabral, conseguiu ser uma das classificadas para a finalíssima. Era um samba mal-ajambrado que, a não ser pelo lado social, com argumento de Sérgio Cabral, nada tinha a ver com o talento de Sérgio Ricardo, que por sinal cantou muito mal.

Quando a música foi apresentada na final, Sérgio, que já tinha sido mal recebido, pediu a atenção para o “novo” arranjo, o que desagradou ainda mais a platéia, além de contrariar o regulamento, que não permitia que a música sofresse qualquer modificação entre uma apresentação e outra. Sérgio tentou cantar, mas a manifestação foi tão ruidosa que ele nem sequer conseguia ouvir o acompanhamento. Interrompeu a música e tentou argumentar. Como a vaia era ininterrupta, passou a ameaçar a platéia. Era ele contra uns três mil, mais ou menos. Em determinado momento, perdendo totalmente o controle, gritou: “Está bem, vocês venceram”, quebrou o violão no banquinho e o atirou na platéia. Foi desclassificado. Nem precisava.

Nesse festival o júri deixou passar em brancas nuvens Eu e a Brisa, do Johnny Alf, lindamente defendida pela Márcia, felizmente descoberta pelo público, que a transformou num dos maiores sucessos de 67. Fico pensando no que teria acontecido se a linda melodia de Johnny Alf tivesse sido cantada pela Elis. O júri prévio também andou dando suas mancadas, não percebendo Máscara Negra, do Zé Keti, que arrasou no carnaval seguinte.

Aos que protestaram contra o júri prévio, alegando que suas músicas não tinham sido ouvidas com a atenção merecida, abrimos o Teatro Record e permitimos que fosse feita uma apresentação das músicas dos compositores que se julgavam injustiçados. Demos aos insatisfeitos todas as condições técnicas e tempo para que ensaiassem. Depois de alguma divulgação, na noite dos revoltados, o Teatro Paramount estava lotado. O clima era de hostilidade, afinal cada compositor inscrito achava ser a sua a melhor música jamais composta. Era só apresentá-la e esperar pela entrega do cheque. Foi uma noite cheia de manifestações de novas torcidas a defender parentes e amigos. Por momentos chegou até a lembrar um festival de verdade.

A manchete do Jornal da Tarde, no dia seguinte, foi a melhor resposta que poderíamos ter tido: “O Júri Tinha Razão”. Edu Lobo, com um trabalho impecável, venceu o festival de 1967 com Ponteio, que tinha a parceria de Capinan. Era de uma competência impressionante e de uma força irresistível, sem apelar para os chavões que levantavam as platéias. Edu, Marília Medalha, o vocal do Momento Quatro e o Quarteto Novo fizeram uma apresentação que dificilmente outra música poderia superar, mas foi também exemplo de que, em geral, um júri, por mais que apregoe modernidade, tem sempre uma tendência conservadora.

Era um período de mudanças. O mundo jovem se agitava. Na Europa, o som dos rapazes de Liverpool, de Jimi Hendrix e Janis Joplin quebrava tabus e as novas gerações questionavam o que lhes era servido como moral. A primeira vez que ouvi o disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, foi na cabine do Teatro Record.

Zuza Homem de Mello, então principal engenheiro de som da emissora, havia recebido um exemplar e, tendo aparecido na minha sala com a novidade, onde eu fazia uma reunião com Caetano Veloso, não conseguiu mais se livrar de nós, até que, vencido pelos vários apelos e algumas ameaças, nos levou para que finalmente pudéssemos conhecer o que viria a ser um dos marcos dos anos 60. Após A Day In The Life, a última faixa do LP, saí da cabine como se tivesse sido dopado, tal a impressão que o disco causou. Caetano e eu descemos em silêncio até a minha sala e assim ficamos por muitos minutos, pois nada havia para ser dito naquele momento de espanto.

She’s Living Home, um marco contra a hipocrisia e a intolerância dos pais ante a nova postura dos jovens. George Martill, o produtor musical e arranjador do disco, utilizando as experiências contemporâneas de Stockhausen em A Day In The Life, rompia os limites da música pop. Lucy In The Sky With Diamonds abria mentes e permitia que, sem lenço e sem documento, Alegria Alegria sugerisse esse tipo de sutileza quase subliminar. Embora Caetano negue que tenha sido intencional, e ele deve falar a verdade, a associação é inevitável.

Domingo no Parque, com sua cinematográflca abordagem do drama do João, que amava Juliana, que amava José, tão bem arranjada pelo Rogério Duprat, que se lembrou do talento dos The Six Sided Rockers, significativamente rebatizados de Mutantes, derrubou a barreira do preconceito que os tradicionalistas erguiam contra uma linguagem universal para a música brasileira. A reação da platéia diante de Gilberto Gil foi de delírio total, transformando em sussurro as eventuais vaias que tentavam impedir que guitarras elétricas acompanhassem uma das manifestações mais significativas da cultura brasileira da época. Já na tarde de sua primeira apresentação, o ensaio foi arrasador.

Era o assunto de todos os que acompanhavam os trabalhos no Teatro Record, mas principalmente assunto do próprio Gil, que falava tanto e tão alto que atrapalhava os ensaios das outras músicas que seriam apresentadas. Fui obrigado a chamar sua atenção, o que o fez sair meio ressabiado. Algumas horas depois, recebo um telefonema do Paulinho de Carvalho. apavorado, dizendo que o Gil se recusava a apresentar a música naquela noite, por ter sido destratado por mim na frente de todo mundo. O Paulinho foi ao hotel Danúbio, onde Gil estava hospedado com Nana Caymmi, então sua mulher, tentar convencê-lo a desistir da desistência. Paulinho encontrou o Gil deitado, com rosto coberto por uma grande toalha enrolada na cabeça e outra nos pés, dizendo que já estava feliz pelo resultado da gravação do Domingo no Parque, que tinha acabado de registrar, e que não set sentia com condições psicológicas para cantar naquela noite.

É evidente que Gil estava pressionado por uma tremenda insegurança afinal, estava quebrando tabus e limites sem saber qual seria a reação da ala conservadora da MPB à sua ousadia. Lá fui eu me desculpar com o tagarela, que estava quase perdendo a oportunidade de dar um salto fantástico em sua carreira, além de transformar aquela noite em história para a MPB.

Em outra eliminatória encontro o Guilherme Araújo, muito apreensivo antes da apresentação de Alegria Alegria. Caetano havia escolhido para acompanhá-lo um grupo de músicos chamado Beat Boys, que tocavam absolutamente imóveis e, em suas apresentações no Beco, uma casa noturna de grande sucesso na época, então dirigida com grande competência e classe por Abelardo Figueiredo, emocionavam os que já amavam os Beatles e os Rolling Stones. Grandes cabeleiras, armados de guitarras e baixos elétricos, mais poderiam parecer os inimigos do Fino do que defensores da MPB tão amada.

Caetano estava longe do tímido baiano que arrasava ao ouvir do Blota: “...e a palavra é...”. Naquela noite, sua boa palavra seria julgada naquele teatro lotado de gente emocional e emocionada. Sua entrada no palco, cabelos encaracolados, o mesmo terno quadriculado e o sorriso irônico que mais parecia o do Coringa, saído das histórias em quadrinhos do Batman, acompanhado daqueles estranhos seres, que carregavam instrumentos até então proibidos, chocou a platéia, que, parecia, iria rechaçá-lo ao primeiro acorde. A vaia foi monumental.

Caetano entrou no palco enfurecido, caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento. Mas os sons e o ritmo alegre e descontraído da marchinha Alegria Alegria acabaram por fazer aquela gente ouvir a pergunta crucial que a letra sugeria para aquele momento maravilhoso: “Por que não?” e repetia “por que não?”, e mais uma vez ainda: “por que não?” Aquela gente então deve ter se perguntado: “Ora, e por que não?”, e aplaudiu em delírio o assustado Caetano, que, de tão surpreso com a ovação inesperada, caiu de bunda no palco, sorrindo, consagrado, maravilhado. Ele, o filho abusado de dona Canô, o exibido de Santo Amaro da Purificação, o irmão da Berré, que, se dependesse de seu empresário, nem deveria cantar.

Guilherme Araújo, com lágrimas nos olhos, invadiu os bastidores. Ao passar por mim, agarrou os meus braços e, parecendo não acreditar no que tinha acontecido, perguntava sem parar: — Meu querido, você viu? Você viu? — Viu o que, Guilherme? — Viu o que aconteceu com o Caetano? — Claro que vi, Guilherme. E o Brasil inteiro também viu".

Fonte: Prepare seu Coração (A História dos Grandes Festivais) – Solano Ribeiro – Geração Editorial, 2002