Bastaram menos de dois anos, quase vinte meses, para que a carreira de contadora fosse esquecida e a carioca (de 23 de março de 1922) Iracema de Souza Ferreira fosse coroada Rainha do Rádio, com direito a faixa, trono, fã-clube e toda a liturgia que criava o mito radiofônico no início da década de 50.
Em fins de 1951, Iracema ainda freqüentadora do Sinatra-Farney Fã-Clube, onde cantava nas tardes de domingo acompanhada pelo acordeom de João Donato e o piano de Johnny Alf, dois garotinhos imberbes, foi levada para a Rádio Tupi do Rio de Janeiro. Aí já sob o nome de Nora May (o Ney viria depois), estreou cantando em inglês com seu grave vozeirão.
Em 1953 já era ídolo nacional, cantando samba-canção, naturalmente em português. Contratada pela Rádio Nacional, era ouvida pelo Brasil inteiro todas as noites no famoso programa Ritmos da Panair, transmitido diretamente da boate Midnight, do Copacabana Palace Hotel. Foi aí que conheceu o cantor Jorge Goulart, seu companheiro na vida e carreira a partir de então.
Gravou Ninguém me ama (de Antônio Maria e Fernando Lobo), Menino grande (só do Maria), De cigarro em cigarro (Luiz Bonfá), com imenso sucesso e, nesse mesmo ano, foi eleita Rainha do Rádio.
Cada gravação de Nora Ney era sucesso garantido e ela foi em seqüência: Preconceito (Antônio Maria e Fernando Lobo); É tão gostoso, seu moço (Mário Lago e Chocolate); Aves daninhas (Lupicínio Rodrigues); Se eu morresse amanhã (Antônio Maria); Só louco (Dorival Caymmi); Vai Mesmo (Ataulfo Alves).
Em companhia de Jorge Goulart e outros artistas brasileiros, excursiona longamente pela Europa, Américas, África, Oriente Médio e Ásia, com amplo sucesso, transformando-se na maior divulgadora da música popular brasileira em países até então jamais visitados por artistas nacionais.
Passa por período de preconceito profissional em virtude de posições políticas, mas acaba por retomar sua carreira, cantando com o brilhantismo e calor habituais. Em 1989, faz parte do simpaticíssimo grupo As Eternas Cantoras do Rádio, dividindo o palco e emoções com as companheiras de microfones da fase áurea da radiofonia, Carmélia Alves, Violeta Cavalcanti, Zezé Gonzaga, Rosita Gonzales e Ellen de Lima.
Em 1992, depois de 39 anos de vida em comum, casou com Jorge Goulart. Concedeu esta entrevista ao programa MPB Especial, da TV Cultura de São Paulo, em 1973, aos 50 anos.
Arley Pereira - MPB ESPECIAL - 5/2/1973
"Antônio Maria começou comigo, começamos juntos, ele como compositor e eu como cantora. A primeira música que eu gravei de Antônio Maria foi Menino Grande. Ele fez para ele mesmo e queria que alguém cantasse para ele essa música, Menino Grande. Ele era muito gordo, muito simpático, uma figura engraçada.
Uma vez, eu estava trabalhando no Copacabana Palace e ele foi lá me levar uma música, Onde Anda Você?, e foi de pijama mesmo. Uma delícia, ele foi de pijama, entrou no Copacabana Palace pela entrada dos artistas. Os músicos tinham uma entrada separada. Eu era crooner. E ele foi de pijama mesmo e levou Onde Anda Você?.
O que mais posso falar de Antônio Maria? Amou muito, viveu muito, sofreu muito. Era um sátiro também, maravilhoso e era um grande amigo, o bom Maria, como o chamavam. Vou cantar um outro número do Maria, de parceria com Fernando Lobo. Aliás, Ninguém Me Ama também é parceria com Fernando Lobo".
Nora Ney faleceu em 27/10/2003. Aos 81 anos de idade, a carioca Iracema de Souza Ferreira morreu de falência múltipla dos órgãos (em decorrência de um enfisema pulmonar), no Hospital Samaritano, no mesmo Rio de Janeiro onde nasceu em 1922.
Algumas cifras e letras:
Aves daninhas, Castigo, De cigarro em cigarro, É tão gostoso, seu moço, Eu e a brisa, Menino grande, Mensagem, Neste mesmo lugar, Ninguém me ama, Onde anda você?, Preconceito, Se eu morresse amanhã de manhã, Só louco, Último desejo.
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