Houve um tempo no qual as madrugadas paulistanas tinham mais estrelas na terra que no céu. A música - sempre de qualidade - temperava a alegria das pessoas e a felicidade se traduzia em sorrisos, amores, amigos.
As portas eram sempre abertas pela simpatia do Souza (casa de qualidade tinha que tê-lo na recepção) e vozes como as de Pedro Miguel, Fabião, Geraldo Cunha, Adauto Santos, Luiz Carlos Paraná, Roberto Luna, José Domingos, Noite Ilustrada, Cláudia Barroso, Ana Maria Brandão, Ellen Blanco - entre tantas - tornavam as conquistas mais fáceis, os romances mais bonitos.
O violão de Makumbinha; os pianos de Mário Edson e Moacir Peixoto; o pistão de seu irmão Araken; o contrabaixo de mil histórias de Xu Viana, representavam os músicos que sublinhavam talentos com seus sons.
De Santos - nas pegadas de Mauricy Moura - subiu um rapaz, compositor e cantor, que somaria seu brilho às vozes noturnas. Romântico e boêmio, como de lei, Lúcio Cardim era dono de uma história pitoresca.
Autor de Matriz e filial, composta na linha dor-de-cotovelo de Lupicínio Rodrigues ("Quem sou eu / pra ter direitos exclusivos sobre ela ? / se eu não posso sustentar os sonhos dela / se nada tenho, e cada um vale o que tem…"), dizia sempre que ganhava mais dinheiro com apostas, que com direito autoral. Acontece que os leigos acreditavam piamente ser a música de Lupicínio e só acreditavam ser Lúcio o autor depois de conferir nos discos. Aí era tarde, tinham que pagar a aposta.
Mas Lúcio tinha um sem número de coisas bonitas, uma bagagem que fazia dele um dos principais compositores românticos de sua geração. Êta Dor de Cotovelo é um dos melhores exemplos, sempre na linha lupiciniana, somava-se aos versos clássicos de Obra Prima (Levar você de mim é muito fácil / Difícil é fazer você feliz…"), entre tanta coisa que fazia a delícia da boêmia, embora não o transformasse em grande vendedor discos.
Suas tiradas filosóficas, suas soluções harmônicas, seus versos certeiros como flechas, garantiram a ele um lugar permanente não apenas entre os notívagos, mas na própria história da música popular brasileira, naquilo que lhe foi tão característico entre os anos 50 e 70.
Arley Pereira - MPB ESPECIAL - 12/3/1975
“Aqui em São Paulo havia um dos maiores letristas que já conheci, mas não era muito boêmio. Bebia café, água mineral, outras perfumarias. De não beber, morreu de cirrose. Este é o meu catecismo: quem bebe morre, quem não bebe morre também. Por isso de vez em quando dou um tapa no beiço.” Jamelão falando do seu amigo, parceiro e compositor, antes de interpretar Matriz e Filial, composição de Cardim.
Fontes: Overmundo e Sesc SP.com.br
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